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Suco de laranja: dependência mútua entre Brasil e EUA coloca ambos países em risco diante do tarifaço de Trump 

Quanto ao café, apesar do choque de preços no curto prazo, cenário global favorece o Brasil, uma vez que nenhum outro país possui potencial para substituir o grão brasileiro 

Laranja pode ser um dos setores mais afetados pelas tarifa de Trump sobre o Brasil
Foto: Engin Akyurt/Pexels

Em 9 de julho de 2025, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a aplicação de uma tarifa adicional de 50% sobre todos os produtos exportados pelo Brasil para o país norte-americano. 

A decisão, justificada por preocupações políticas e comerciais, deverá entrar em vigor em 1º de agosto e marca uma escalada nas tensões entre os dois países. Prova disso é a decisão do Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR) de dar início a uma investigação formal com base na Seção 301 da Lei de Comércio de 1974, alegando práticas desleais por parte do Brasil, incluindo supostos ataques a empresas de mídia social norte-americanas.

Embora o Brasil registre déficits comerciais com os EUA desde 2009, o país norte-americano é o terceiro principal destino das exportações do agronegócio brasileiro, atrás somente da China e da União Europeia. Em 2024, os EUA absorveram 7,4% dos US$ 164,3 bilhões em exportações agropecuárias brasileiras, com destaque para produtos florestais, café, carnes, sucos e açúcar.

Com a nova tarifa, o impacto será profundo em setores estratégicos como o citrus e o café, onde a interdependência entre os países é elevada. Enquanto o Brasil teme perdas significativas em sua balança comercial, os EUA também devem enfrentar elevações de preços e riscos de desabastecimento.

Dependência mútua no setor de suco de laranja 

O setor de citrus, especialmente o de suco de laranja, é um dos mais vulneráveis às novas tarifas. De acordo com dados compilados pela DATAGRO, em 2025, até junho, o Brasil exportou 950 mil toneladas do produto para os EUA, representando 58,5% de seus embarques totais. Do outro lado, os americanos importaram 1,19 milhão de toneladas de suco, sendo 68,6% provenientes do Brasil — evidenciando uma dependência bilateral acentuada.

A produção de suco nos EUA sofreu uma queda de 92% entre 2003 e 2024, devido principalmente ao avanço do greening nos pomares da Flórida. Ainda segundo a consultoria, o Brasil, maior produtor mundial da bebida, hoje supre mais da metade do consumo norte-americano, cuja demanda caiu 52,8% no mesmo período, mas ainda apresenta estabilidade por motivos culturais e hábitos consolidados.

A DATAGRO projeta que, com a tarifa, o preço médio do suco brasileiro deve subir 15,87% no mercado americano, chegando a US$ 0,90 por litro. Esse aumento, por sua vez, pressiona uma demanda já sensível ao preço — estima-se que a elevação possa acelerar a retração do consumo nos EUA, que já registrou queda de 8,2% nas vendas no ciclo 2024/25.

“A consequência direta será a perda de competitividade do produto brasileiro, especialmente frente ao México, que não sofrerá tarifa extra e entra em período de baixa produção apenas na segunda metade do ano”, aponta relatório da consultoria.

Além disso, alternativas para redirecionamento das exportações brasileiras são limitadas. A União Europeia, segundo maior consumidor mundial, já importa 88,3% de seu suco do Brasil. Outros mercados como China, Japão e Canadá oferecem algum potencial, mas ainda estão longe de absorver o volume atualmente destinado aos EUA. 

Nesse cenário, finaliza a DATAGRO, a maior disponibilidade de suco no mercado internacional pode derrubar os preços globais, impactando ainda mais a rentabilidade do setor.

Cálculo da Associação Nacional das Indústrias Exportadoras de Sucos Cítricos (CitrusBR) aponta que a tarifa sobre as exportações brasileiras pode gerar prejuízo anual de até US$ 792 milhões — o equivalente a R$ 4,3 bilhões — para a cadeia produtiva do suco de laranja brasileiro.

Café: apesar do impacto de curto prazo, cenário global favorece o Brasil

Segundo produto agroexportado mais importante para os EUA, o café brasileiro também será fortemente afetado pela nova tarifa. No primeiro semestre de 2025, o Brasil enviou 3,31 milhões de sacas de 60 kg aos EUA, ou 17,1% de suas exportações totais. Para os americanos, o produto brasileiro representou 31% do volume importado no mesmo período, reforçando a ideia de que os EUA dependem mais do café do Brasil do que o Brasil do mercado norte-americano.

Segundo a DATAGRO, a tarifa extra tende a elevar em 22,6% o preço médio das importações de café pelos EUA. Sendo assim, o produto brasileiro, que antes era 12,2% mais barato que a média das demais origens, custará 7,4% a mais.

O histórico mostra que cafés mais caros, como o colombiano, mantêm sua posição no mercado americano. Mesmo assim, a medida pode acelerar pressões inflacionárias em um mercado que já acumula aumentos expressivos — os preços atuais superam em mais de 60% os de 2020.

O cenário internacional, no entanto, joga a favor do Brasil. O país deve ser responsável por 36,4% da produção global de café em 2025/26, com 39,2% de participação no mercado de café Arábica — justamente a variedade mais consumida nos EUA. A oferta mundial está apertada: a relação estoque/consumo global atingiu os menores níveis da história recente após quatro safras deficitárias. Isso dificulta a substituição do café brasileiro no curto prazo, já que outros grandes produtores já têm compromissos firmes com outros mercados, como Japão e Europa.

“Nesse contexto, é possível que as exportações brasileiras apenas redirecionem seus fluxos, fortalecendo sua presença em outros países. O Brasil pode até sair fortalecido no médio prazo, aproveitando a escassez de café Arábica no mundo e os preços elevados para consolidar sua posição em mercados premium”, projeta a DATAGRO.