
Nos últimos meses, a escalada dos preços do café no mercado de varejo tem preocupado os consumidores da segunda bebida mais consumida no Brasil, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC). Em janeiro, o café atingiu R$ 56,07/kg no varejo, uma valorização de 81,04% em relação ao mesmo mês de 2024.
A trajetória de alta começou em 2021, quando eventos climáticos extremos que se estenderam até 2024 comprometeram as colheitas em países produtores, como Colômbia e Indonésia, mas principalmente Brasil e Vietnã. Essa redução da oferta impactou fortemente os preços, elevando-os, em fevereiro deste ano, ao maior nível nominal para a série histórica e reduzindo drasticamente os estoques globais.
O Brasil, maior produtor mundial de café com cerca de 38% da produção global, enfrentou condições climáticas severas. Geada, chuvas irregulares e calor intenso afetaram diretamente o rendimento das lavouras, especialmente em Minas Gerais, estado responsável por 52% da produção nacional, cuja colheita recuou para aproximadamente 29 milhões de sacas na safra 2024/25, de acordo com o levantamento da DATAGRO.
A produção total brasileira foi estimada em 63,90 milhões de sacas pela consultoria, uma queda de 3,61% em relação ao ano anterior. Ainda assim, o número representa um aumento de 1,3 milhões de sacas ante a 2022, ano de bienalidade positiva.
O fenômeno El Niño também impactou o Sudeste Asiático, especialmente o Vietnã, maior exportador de robusta. A seca prolongada reduziu a produtividade, afetando exportações e pressionando ainda mais os preços internacionais.
As bolsas de Nova York (arábica) e Londres (robusta) registraram forte valorização em 2024, refletindo riscos climáticos, redução de estoques e gargalos logísticos. Apesar disso, o consumo interno brasileiro mostrou resiliência. A ABIC registrou crescimento de 1,11% em 2024, totalizando 21,92 milhões de sacas.
Esse aumento de consumo, mesmo com a inflação da bebida, impactou o orçamento das famílias. Segundo a DATAGRO, entre janeiro de 2024 e janeiro de 2025, a fração da renda comprometida com café cresceu 71,87%, atingindo 0,7%, maior valor para a série histórica iniciada em 2013, em um cenário de aumento da renda média.
O café também passou a ter peso relevante no IPCA: em janeiro de 2025, a bebida representava 0,49 ponto porcentual no índice, um aumento de 31,17% sobre o ano anterior.
Robusta ganhando espaço e novos desafios
Diante da pressão sobre a oferta de arábica, o robusta brasileiro vem ganhando protagonismo. Considerado anteriormente uma variedade secundária, agora é tratado como aposta estratégica para os próximos anos. O Brasil já produz mais de 23 milhões de sacas de robusta, com crescimento impulsionado por avanços genéticos e tecnologias de irrigação e manejo.
Segundo Lúcio de Araújo Dias, consultor em agronegócios e ex-superintendente comercial da Cooxupé, o país está prestes a assumir a liderança global também na produção de robusta. Ele destaca a confiabilidade logística brasileira e a reputação internacional das empresas do setor.
As novas áreas produtoras, como Espírito Santo, Rondônia e Bahia, se beneficiam da proximidade com os portos, o que favorece a competitividade nas exportações.
Para os produtores, a valorização do café gera maior rentabilidade, capacidade de investimento e fortalecimento financeiro. No entanto, o alto custo da matéria-prima encarece o capital de giro no comércio, e o mercado invertido dificulta estratégias de venda e proteção.
Para o consumidor, o impacto no preço final é inevitável. Mesmo assim, Lúcio lembra que o custo do café representa apenas uma fração do valor da xícara. “Já ouvi de um consumidor que gasta mais com detergente para lavar as xícaras do que com o próprio café.”
Diante do risco de desabastecimento, o governo brasileiro aprovou recentemente a retirada da tarifa de importação sobre o café. Para produtores, a medida evidencia um problema real de oferta. “Quando o segundo maior consumidor mundial entra no mercado para comprar, os preços tendem a subir”, alerta Lúcio.
A DATAGRO avalia que a redução da alíquota não terá qualquer impacto nos preços ao consumidor, dado o papel dominante do Brasil na produção global, que foi de 66,4 milhões de sacas (39,46% do total mundial) na temporada 2024/25, de acordo com dados do USDA, aliado ao fato de que o aumento de preços ocorre no mundo inteiro e não apenas no Brasil
Apesar dos desafios, o cenário para a próxima safra é de otimismo cauteloso. A demanda global segue em crescimento, impulsionada por novos mercados na Ásia e no Oriente Médio. Com produtores mais capitalizados e atentos ao mercado, a tendência é de preços firmes e maior profissionalização da cadeia.
“A oferta ainda está ajustada. Dificilmente veremos quedas profundas nos preços em 2025”, conclui Lúcio.