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Cigarrinha: como combater a praga que gera prejuízos enormes às lavouras de milho

Vetor de diversas doenças, inseto pode levar a perdas de até 70% da produção do grão

cotações do milho na Bolsa de Chicago

A infestação do inseto conhecido como cigarrinha-do-milho (Dalbulus maidis) está em alta no Brasil há algumas safras, trazendo preocupação, dor de cabeça e prejuízos aos produtores rurais do grão. 

De acordo com a Embrapa, o cultivo do milho dividido em duas ou até três safras, considerando uma terceira temporada na região da Sealba – Sergipe, Alagoas e Bahia –, favorece a chamada “ponte verde” que mantém a cultura presente ao longo de todo o ano em território nacional, possibilitando a continuidade do ciclo de vida da cigarrinha, o que contribui para o aumento de sua população

 “A cigarrinha-do-milho sempre esteve presente onde há milho sendo cultivado. Assim, o cultivo quase contínuo do grão ao longo do ano em praticamente todas as regiões do país favorece a sobrevivência e a multiplicação dessa praga, que é específica do milho”, explica a pesquisadora em Fitopatologia da Epagri (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina), Maria Cristina Canale.

Além disso, o clima quente e a presença constante de plantas de milho no campo, inclusive as voluntárias – conhecidas como “tigueras” –, durante a entressafra, ajudam a manter as populações da cigarrinha sempre ativas, sem intervalos para seu controle natural. Douglas Leme, gerente de marketing para milho da Basf, reforça, ainda, que a não rotação de culturas, bem como a falta de controle eficiente com defensivos nos estágios iniciais de infestação também comprometem o combate à praga

Segundo os especialistas, a cigarrinha é vetor de microrganismos chamados molicutes, que causam o chamado “complexo de enfezamentos”: o vermelho e o pálido. Além dessas bactérias, a praga também transmite duas viroses: o vírus da risca e o do mosaico estriado

“Agressivas, as bactérias molicutes causam distúrbios na planta, que provocam avermelhamento, clorose, diminuição de internódio e prejudicam o desenvolvimento das raízes. Como resultado, há má formação das espigas, o que gera enormes perdas na produtividade“, assinala Maria Cristina.

Já o vírus da risca, que causa pontuações cloróticas nas folhas, pontua a pesquisadora da Epagri, é negligenciado, mas, caso a incidência seja grande e dependendo do milho utilizado na lavoura, os impactos negativos podem ser significativos. Ademais, diz Maria Cristina, o vírus do mosaico estriado ainda é pouco conhecido, mas já existem evidências de que ele possa ter um sinergismo com outros patógenos, acarretando em danos às plantações. “O fato é que a cigarrinha pode levar a prejuízos que de até 70% da produção das lavouras de milho”, acentua Leme. 

Boas práticas 

Maria Cristina destaca que, para combater a cigarrinha, os produtores rurais podem adotar algumas boas práticas, como a eliminação de plantas voluntárias de milho durante a entressafra; usar sementes certificadas e, sempre que possível, variedades com maior tolerância aos enfezamentos; planejar a época de plantio em sincronia com outros produtores que favoreça um efeito de “diluição” da cigarrinha no ambiente agrícola; entre outras. 

De acordo com a pesquisadora da Epagri, o controle por meio de produtos químicos deve ser adotado no momento crítico da lavoura para a infecção, ou seja, entre a emergência das plantas até o final do período vegetativo e, sempre que possível, é interessante aliar o controle químico ao biológico.

Nesse sentido, Marcelo Mocheti, gerente de agronomia para proteção de cultivos da área Oeste da Corteva Agriscience, observa que é fundamental a escolha de produtos com alta efetividade e ação rápida. “Isso porque a cigarrinha, mesmo com um curto período de alimentação, já é capaz de transmitir os molicutes. Por isso, o uso de inseticidas químicos com alto poder de choque é essencial nas fases iniciais”.

Mocheti comenta que a associação do químico ao biológico se torna muito interessante com o uso de soluções em estágios mais avançados do milho, quando já se tem um microclima mais favorável. “Os biológicos são aliados dos produtos químicos tradicionais, compondo o Manejo Integrado de Pragas (MIP) para uma estratégia de controle eficiente e integrada, utilizando múltiplos modos de ação para fornecer uma abordagem sustentável para a gestão da resistência”, destaca.

Recomendações

Confira abaixo um guia com recomendações para evitar que a cigarrinha se torne um prejuízo milionário às lavouras de milho, com informações fornecidas por Roberto Favaretto, agrônomo de desenvolvimento de mercado da divisão agrícola da Bayer.

1 – Eliminação do milho voluntário (tiguera ou guaxo): o produtor deve eliminar as plantas não cultivadas do cereal, oriundas de grãos perdidos no processo de colheita e transporte, que acabam germinando não só nas áreas agrícolas, como nos acostamentos e canteiros das estradas e cidades.

“Esse milho voluntário acaba servindo de ponte verde entre uma safra e outra, abrigando tanto o inseto quanto os agentes causais das doenças. Ao se alimentar de uma planta contaminada, a cigarrinha pode se infectar e transmitir os três agentes juntos. Por isso, é importante controlar o milho tiguera assim que ele surgir, usando herbicidas graminicidas”, afirma Favaretto.

 2 – Escolha de híbridos: esta é uma das estratégias mais importantes dentro do manejo do enfezamento do milho. A escolha de híbridos com maior grau de tolerância ao complexo de enfezamento ajuda nos casos de maior pressão da doença no decorrer do desenvolvimento da cultura. Vale ainda destacar a importância de optar sempre pelo uso de sementes certificadas e de qualidade.

3 – Tratamento de sementes: tratar o principal insumo da lavoura é uma prática de manejo que pode ser determinante para manter longe da lavoura recém implantada de milho os insetos adultos das cigarrinhas. Esse manejo pode trazer uma eficiência de até 90% no início da semeadura, diminuindo sensivelmente a incidência da praga, além de facilitar o manejo contra ela mais adiante.

“O tratamento feito com máquinas industriais garante que cada semente receba a quantidade exata do ingrediente ativo, de maneira homogênea e com maior aderência. No tratamento feito na fazenda, o produtor terá que dividir o tempo que já é corrido durante a semeadura para fazer o processo e não conseguirá se dedicar como deveria. Além disso, o ingrediente ativo é colocado no tanque de mistura e não há garantia de que cada semente receberá a quantidade certa, gerando imperfeições que podem comprometer a proteção individual das plantas, além de aumentar a chance de travar a distribuição da plantadeira”, diz o agrônomo.

4 – Distância de plantas já infectadas: manter uma distância segura de uma lavoura já infectada é de extrema importância. A cigarrinha é uma praga altamente migratória e tende a migrar de áreas com estágio de desenvolvimento mais avançado para as mais novas. Com isso, a infecção tende a ocorrer de maneira mais precoce, o que torna seu potencial de dano mais severo.

5 – Seguir as recomendações sobre janela de plantio e sincronização: cada empresa, por meio de seus estudos e pesquisas para o desenvolvimento de híbridos, determina o melhor período de plantio de cada material para cada região, com o intuito de maximizar a expressão do potencial produtivo. Seguir esse posicionamento, assim como o zoneamento agroclimático estabelecido para a cultura na região, são práticas fundamentais para uma melhor sincronização de plantio e redução da migração de cigarrinhas de áreas mais antigas para as mais novas. Isso também torna as estratégias de manejo mais eficientes, justamente por trabalharem de maneira mais condensada em curto período.

6 – Monitoramento: após a emergência do milho, o monitoramento das lavouras deve ser contínuo. Ao detectar a presença da cigarrinha, o manejo populacional deve ser iniciado por meio do uso de inseticidas registrados.

7 – Atenção durante a colheita: na operação de colheita é importante que o milho esteja na umidade ideal e que os equipamentos estejam devidamente regulados. Esses fatores contribuem para que haja menos perdas de espigas e grãos no processo de corte pela colhedora.

8 – Transporte dos grãos: é importante o produtor se certificar se as carrocerias dos caminhões estão vedadas e devidamente enlonadas durante o transporte, evitando assim perdas de grãos no trajeto que possam se tornar plantas voluntárias, hospedeiras de cigarrinhas. “Isso pode afetar propriedades vizinhas, em um primeiro instante, e logo se tornarão uma ponte verde para o produtor que perdeu seus grãos no transporte”, afirma Favaretto.

9 – Rotação de cultivos: no planejamento do ano safra da propriedade, o sistema de rotação de cultura é essencial, evitando a sucessão de culturas, principalmente milho sobre milho. A chamada ponte verde de milho, favorece a sobrevivência dos patógenos e do vetor, que permanecem sempre em populações elevadas, dificultando o controle, diminuindo a produtividade e elevando os custos.

“Por fim, vale relembrar que como notado acima, não há uma solução única e definitiva para o desafio do complexo de enfezamento do milho. O manejo integrado de pragas, considerando as boas práticas, realizadas de forma conjunta, são fundamentais para promover um manejo satisfatório, mantendo as lavouras de milho produtivas e viabilizando esta cultura tão importante para a agricultura brasileira”, salienta.

10 – Orientação de especialistas: para garantir a segurança e eficácia em todo esse processo, o produtor deve procurar a orientação de um engenheiro agrônomo e seguir as regras de aplicação do que for receitado, observando as condições climáticas adequadas, escolha da ponta certa de aplicação, cobertura de gotas, pressão, volume de calda, entre outros detalhes. Assim, adotar medidas em conjunto é essencial para interromper esse ciclo.

Quer conhecer outros problemas enfrentados pela cultura do milho, leia esse outro artigo, e descubra também as características do seu cultivo e importância para o agronegócio brasileiro.