O Brasil não passou ileso ao ataque tarifário promovido pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na última quarta-feira (2). Apesar do temor espalhado pelos mercados globais, as novas taxas — que atingem quase todos os principais parceiros comerciais do país norte-americano — também incidirão sobre os produtos brasileiros, com alíquota de 10%.
Para a consultoria DATAGRO, a medida pode redesenhar o cenário internacional e abrir novas oportunidades para o agronegócio nacional. Países que hoje compram commodities dos Estados Unidos tendem a buscar fornecedores alternativos diante do risco das tarifas e alta nos preços. E o Brasil, já consolidado como potência agrícola, surge como alternativa viável e competitiva.
Soja brasileira pode ampliar liderança na China
A comercialização de grãos brasileiros tende a ser favorecida pelas tarifas propostas por Trump — com a soja despontando como uma das principais beneficiadas. A Bolsa de Chicago (CBOT) já reflete o cenário: o contrato de maio da oleaginosa caiu 4,5% na última semana, pressionado pela expectativa de queda nas compras chinesas do produto americano.
“Entende-se que, enquanto durar a disputa, muito provavelmente as compras chinesas do produto norte-americano devem recuar expressivamente, afetando negativamente a formação dos preços no mercado interno brasileiro”, avaliam analistas da DATAGRO.
Por outro lado, a queda generalizada nas cotações internacionais tem sido parcialmente compensada pela valorização dos prêmios de exportação nos portos brasileiros. Apesar disso, o câmbio segue como fator decisivo para a rentabilidade dos produtores.
O cenário lembra 2018, quando a China elevou as tarifas sobre produtos agrícolas dos EUA para 25% e o Brasil preencheu a lacuna, exportando 66 milhões de toneladas de soja — 75% do que Pequim comprou naquele ano. Hoje, a tarifa norte-americana é ainda maior, chegando a 34%, o que aprofunda o distanciamento comercial entre os dois países.
Apesar do cenário favorável ao Brasil, a DATAGRO pondera que a substituição do grão americano não será imediata, já que os estoques chineses estão em nível recorde, suficientes para cobrir 34% do consumo anual.
Milho pode conquistar novos mercados
O Brasil também pode ampliar sua participação no mercado global de milho. Assim como a soja, o cereal teve suas cotações pressionadas na Bolsa de Chicago, mas a alta dos prêmios de exportação nos portos brasileiros tem compensado a queda. Segundo a DATAGRO, o dólar será o principal fator de influência nos preços daqui para frente.
“É possível que, com a aplicação das novas sobretaxas americanas, as exportações brasileiras ganhem mais proeminência nesses mercados – em especial dado o status brasileiro de segundo maior fornecedor internacional de milho”, avalia a DATAGRO.
México, Japão e Colômbia concentram mais de 70% das importações de milho dos EUA. Com a nova tarifa de 24%, o Japão — que importou 15,3 milhões de toneladas em 2023, sendo 76% dos EUA e 21% do Brasil — pode reduzir sua dependência dos americanos. A Colômbia, que adquire 99% do milho dos EUA e foi alvo de uma tarifa de 10%, também tende a buscar novos fornecedores. O Brasil, segundo maior exportador global, surge como alternativa.
Além disso, as tarifas americanas também atingiram os principais compradores do milho brasileiro — Egito, Vietnã, Irã e Coreia do Sul. Juntos, esses países representaram 44% das exportações brasileiras em 2024 e podem ampliar suas compras, fortalecendo a presença brasileira nesses mercados.
Apesar do destaque no comércio global, a maior parte do milho produzido no Brasil ainda é consumida internamente. A safra 2024/25 deve ser cheia, com 126,9 milhões de toneladas, mas as exportações tendem a cair 6,5%, para 36 milhões — menor volume desde 2021/22. Esse cenário, no entanto, pode mudar com o aumento da demanda internacional.
“Caso a procura pelo produto brasileiro se confirme mais acirrada, é possível que este cenário seja modificado e maiores montantes de milho brasileiro sejam destinados à exportação, elevando ainda mais a disputa interna pela oferta nacional”, projeta a consultoria.
Açúcar e etanol: vantagens moderadas, mas consistentes
No setor sucroenergético, as tarifas reduzidas para o Brasil podem favorecer a competitividade do país frente a concorrentes mais penalizados.
Apesar disso, a DATAGRO avalia que os efeitos no segmento devem surgir de forma mais lenta. Ainda há incertezas sobre como será aplicada a nova tarifa de 10% sobre o etanol brasileiro — se será final ou somada à atual alíquota de 2,5%, o que elevaria o tributo para 12,5%.
Com isso, os EUA tendem a restringir ainda mais as importações de etanol do Brasil. Em 2024, o país comprou 330 milhões de litros do biocombustível brasileiro, o que representou 16,4% das exportações nacionais e quase 59% do total importado pelos norte-americanos.
Por outro lado, o novo cenário pode abrir espaço para o etanol brasileiro em outros mercados. Em 2023, os EUA exportaram um recorde de 7,4 bilhões de litros para destinos como Canadá, Reino Unido, Índia, Colômbia, Coreia do Sul e União Europeia. Caso esses países optem por retaliar os EUA, o Brasil pode se tornar um fornecedor alternativo estratégico.
Ainda assim, as tarifas anunciadas por Trump não são definitivas. Apesar do tom combativo, o movimento sinaliza uma tentativa de abrir espaço para novas negociações com os países atingidos pelo “tarifaço”. Esse cenário pode abrir vantagens estratégicas para o açúcar brasileiro no mercado global.
Pecuária pode ganhar espaço com guerra tarifária
As tarifas de importação impostas por Trump também devem redesenhar o comércio global pecuário. Segundo a DATAGRO, o Brasil pode ampliar sua presença nos mercados de carne bovina, suína e de frango, à medida que os produtos norte-americanos perdem competitividade.
Carne bovina
O impacto mais imediato deve ocorrer na carne bovina. Os EUA são o quarto maior exportador e o segundo maior importador mundial, mas taxaram com mais de 10% sete dos seus dez principais destinos — responsáveis por 72% das importações em 2024. Por outro lado, apenas dois dos seus dez maiores fornecedores foram afetados, respondendo por menos de 3,5% das importações no ano passado.
“Esse quadro sugere que, mesmo reduzindo suas importações de países menos impactados, os EUA devem sofrer mais com retaliações às suas exportações. A pressão tende a ser maior do lado das vendas externas do que nas compras”, avalia a DATAGRO.
Com isso, Brasil, Austrália e países do Mercosul podem ganhar espaço nos mercados asiáticos e europeus, ocupando parte do terreno deixado pelos norte-americanos.
Carne suína
Na carne suína, o ambiente também favorece o Brasil. A China, que já aplicava uma tarifa de 20% sobre o produto dos EUA, aumentou a alíquota para 34% após o tarifaço. As taxas também atingiram importantes consumidores da proteína como Japão e Coreia do Sul, que podem reagir.
Entre os dez principais destinos da carne suína brasileira, nove foram atingidos pelas tarifas americanas — cinco com alíquotas acima de 10% (56% das exportações do Brasil) e quatro com taxas de 10% (21,5%). Isso pode ampliar o espaço para os exportadores brasileiros nesses mercados.
Carne de frango
O mercado avícola global também deve sofrer alterações relevantes, e o Brasil deve apresentar uma conjuntura favorável, segundo análise da consultoria.
Os EUA, segundo maior exportador global, direcionam mais de 20% dos embarques a países que agora estão sujeitos a tarifas, como Taiwan, Vietnã, Filipinas, Angola e China.
Com os custos mais altos do frango norte-americano, o Brasil — líder global em exportações da proteína — ganha vantagem. Além disso, questões sanitárias que afetam EUA e União Europeia podem tornar o frango brasileiro ainda mais atrativo.
Os impostos de Trump também atingiram os maiores compradores de frango do Brasil, com alíquotas entre 17% e 39%. A China, maior cliente brasileiro e sétimo maior importador global, agora enfrenta taxa de 34% imposta por Trump. Em retaliação, elevou para 101% a tarifa sobre o frango dos EUA — reforçando o protagonismo do Brasil no setor.
Mercado norte-americano deve beneficiar café brasileiro
No setor cafeeiro, o Brasil já é o principal fornecedor dos Estados Unidos, ao lado de Colômbia e Vietnã. As novas tarifas de Trump afetam diretamente o Vietnã, que corresponde por boa parte do café robusta importado pelos americanos.
Com a possível elevação dos custos de importação do café vietnamita, o Brasil pode aumentar sua fatia de mercado nos EUA — especialmente se os consumidores migrarem para blends mais econômicos. O aumento nos preços internos americanos também reforça essa tendência: em 12 meses, o preço médio do café no varejo subiu quase 19%.
“As principais origens das importações americanas de café verde são o Brasil, a Colômbia e o Vietnã, sendo este último, o maior produtor mundial de Robusta, o único significativamente tarifado, o que pode alterar a dinâmica de importação dos Estados Unidos”, aponta a DATAGRO.
Os Estados Unidos veem o Brasil como fornecedor estratégico e não devem reduzir o consumo, já que as tarifas também atingiram os principais concorrentes.
Oportunidade para expansão internacional do agro brasileiro
O anúncio das tarifas de Trump provocou fortes reações nos mercados globais. O avanço de um cenário mais protecionista e fragmentado pressiona as cadeias produtivas, o que leva países a reavaliar suas parcerias comerciais.
O Brasil pode ganhar espaço com a queda nas exportações de países afetados por tarifas mais altas estabelecidas pelos Estados Unidos ou com outros países afetados por taxas superiores.
No geral, o atual cenário deve abrir oportunidades para produtos agropecuários brasileiros ganharem mais espaço no exterior. Com isso, conquistar novos mercados e também avançar em market share em destinos já conhecidos.