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Como o greening está mudando a citricultura brasileira: desafios e novas fronteiras

Disseminação do greening tem provocado a queda na produtividade, aumento dos custos de produção e, consequentemente, a migração de produtores

Foto: JH Lee/Unsplash
Foto: JH Lee/Unsplash

A citricultura é uma das atividades mais importantes para a economia agrícola do Brasil, especialmente para o estado de São Paulo e a região do Triângulo Mineiro, que historicamente concentram a maior parte da produção nacional de laranja

No entanto, essa realidade tem mudado drasticamente nas últimas décadas devido à incidência do greening, uma doença devastadora, que tem forçado produtores a buscarem novas regiões para o cultivo de frutas cítricas. 

A ciência, a tecnologia e o planejamento territorial são alguns pilares que têm desempenhado papel crucial nesse processo de transição. Neste artigo, vamos apresentar um panorama sobre o greening no Brasil e mostrar para onde produtores estão migrando em busca de condições melhores. 

O que é o greening e por que ele ameaça a citricultura brasileira

O greening, também conhecido como Huanglongbing (HLB), é uma doença bacteriana que afeta as plantas cítricas, sendo transmitida pelo inseto vetor Diaphorina citri, popularmente conhecido como psilídeo

Considerada uma das mais graves para a citricultura mundial, a doença impede a maturação adequada dos frutos, provoca queda prematura e, em casos mais graves, pode levar à morte da planta.

Encontrado pela primeira vez na Ásia, há mais de 100 anos, o greening foi identificado no Brasil em 2004, nas regiões Centro e Leste do estado de São Paulo. Hoje, está presente em todas as regiões citrícolas paulistas e pomares de Minas Gerais. Casos foram identificados também na Argentina, no Paraguai, em quase todos os países da América Central e Caribe, no México e nos Estados Unidos.

O impacto é alarmante: estudos recentes do Fundecitrus apontam que 44,35% das árvores situadas no cinturão citrícola do Sudeste brasileiro estão infectadas, o que corresponde a aproximadamente 90,36 milhões de laranjeiras de um total de 203,74 milhões. ​

A disseminação da doença tem provocado a queda na produtividade, o aumento dos custos de produção e, consequentemente, a migração de produtores para outras regiões.

A migração da citricultura: do Sudeste para novas regiões produtoras

Com a crescente dificuldade de controle do greening nas regiões tradicionais, desde 2023, produtores têm se voltado para novas fronteiras agrícolas, com os estados do Paraná, Mato Grosso do Sul, Bahia e Distrito Federal, formando o Cinturão Citrícola Expandido (CCE). Essa migração busca áreas menos afetadas pela doença e com condições climáticas mais favoráveis à cultura de citros.

O Paraná, por exemplo, está retomando a produção citrícola em diversas regiões, com destaque para o Norte Pioneiro e o Noroeste do estado. A Bahia, por sua vez, tem se consolidado como uma nova fronteira para o cultivo de laranja e lima-ácida tahiti, principalmente nos municípios do semiárido com acesso à irrigação. Mato Grosso do Sul está apostando em uma redução da carga tributária nas operações interestaduais com laranjas destinadas à industrialização.

Essa mudança geográfica representa uma oportunidade econômica para estados menos tradicionais na citricultura, mas também impõe desafios logísticos e técnicos, como a adaptação das culturas às condições climáticas locais e o desenvolvimento de infraestrutura adequada.

Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc) como aliado do produtor

Desenvolvido pela Embrapa em parceria com o Fundecitrus, o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc), é uma ferramenta essencial para orientar o produtor na escolha das áreas mais adequadas para o cultivo de citros. 

Com base em séries históricas de dados meteorológicos e características do solo, o Zarc identifica os períodos de menor risco para o plantio, contribuindo para uma produção mais segura e eficiente.

Recentemente, a Embrapa divulgou novas versões do Zarc voltadas para o cultivo de citros nas regiões Centro-Oeste e Nordeste, que estão recebendo maior atenção dos produtores em busca de áreas livres ou com baixa incidência do greening. 

O uso do Zarc permite ao agricultor reduzir prejuízos com estiagens ou chuvas fora de época, além de auxiliar no planejamento da produção e no acesso ao crédito rural.

Tecnologias e zoneamentos específicos no combate ao greening

Além do Zarc, outras tecnologias estão sendo aplicadas para enfrentar o greening e permitir a sustentabilidade da citricultura. Entre elas estão: o monitoramento por sensores remotos, o uso de aplicativos para mapeamento de áreas afetadas e o manejo integrado de pragas.

Antes delas, dando um passo atrás no processo produtivo, o uso de mudas certificadas, livres da doença, é uma medida essencial para evitar a introdução do greening em novas áreas. Nesse sentido, programas de certificação e rastreabilidade, como os adotados por cooperativas e viveiristas, têm ganhado destaque.

Outro destaque é o desenvolvimento de sistemas de produção protegidos com telas, que impedem o acesso do psilídeo às plantas jovens. Essas técnicas estão sendo testadas com êxito em regiões do Paraná e da Bahia, aumentando a segurança fitossanitária dos pomares.

Desafios enfrentados na nova fronteira citrícola do Brasil

Apesar das oportunidades, cultivar frutas cítricas em novas regiões impõem também desafios consideráveis aos produtores. Confira algumas delas: 

  • Adaptação de variedades às condições locais: em muitos casos, as variedades que produzem bem no Sudeste não apresentam o mesmo desempenho em solos e climas diferentes.
  • Logística de escoamento da produção: as novas regiões citrícolas que começam a se desenhar no Brasil se encontram mais distantes de grandes centros consumidores e de empresas de processamento e armazenamento Além disso, também estão mais longe de portos exportadores.
  • Necessidade de formação de mão de obra: a falta de mão de obra para trabalhar nas fazendas, sobretudo na colheita, é um dos principais desafios para as novas regiões, uma vez que elas não possuem a laranja como cultura tradicional. 

O futuro da citricultura brasileira diante das mudanças climáticas

As mudanças climáticas adicionam uma camada extra de complexidade ao futuro da citricultura brasileira. O aumento das temperaturas, a irregularidade das chuvas e a ocorrência de eventos extremos tornam ainda mais importante o uso de ferramentas como o Zarc e a adoção de boas práticas agrícolas.

Diante desse cenário, a tendência é que o cultivo de citros se torne cada vez mais dependente da irrigação eficiente, do manejo inteligente dos recursos naturais e da integração entre a pesquisa científica e sua aplicação no campo. Também é fundamental a criação de políticas públicas que incentivem a agricultura resiliente e a proteção fitossanitária. Em um cenário onde a ameaça do greening persiste, mas a ciência oferece alternativas viáveis, a citricultura brasileira está passando por uma reinvenção geográfica e tecnológica. O sucesso desta transição dependerá da capacidade de adaptação dos produtores, da cooperação entre instituições e do uso estratégico da informação para manter o Brasil como o principal produtor e exportador de suco de laranja do mundo.