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Multifacetado e resistente, sorgo vem ganhando cada vez mais espaço na agricultura brasileira  

Grão se apresenta como alternativa ao milho na segunda safra e um bom aliado na rotação de culturas, fatores que fizeram a produção nacional mais do que dobrar nos últimos anos 

O sorgo é uma alternativa ao milho na segunda safra e aliado na rotação de culturas
Foto: Wenderson Araujo/CNA

Originário da África, o sorgo chegou ao Brasil como uma cultura secundária, entre os séculos XVII e XVIII, durante o período de colonização. No entanto, diferentemente de outras culturas que emplacaram e se consolidaram dentro da agricultura brasileira, esse multifacetado grão luta, até os dias de hoje, para ganhar seu espaço nas lavouras nacionais.  

Suas características fisiológicas adaptadas à realidade brasileira e o crescente emprego do grão na indústria de ração e de etanol contribuem para um recente crescimento em seu protagonismo. Outra peça chave para a expansão do sorgo no Brasil é a Embrapa, que contribui com seus programas de melhoramento e ajuda no desenvolvimento de novos cultivares e na busca por maior produtividade. 

“Quando a gente fala da cultura sorgo, estamos falando de múltiplos usos: existe o sorgo silagem, que você pega a planta inteira e dá para o animal comer; o sorgo biomassa, que se apresenta como uma alternativa promissora para a geração de energia; o sorgo sacarino, empregado para produção de açúcares; e o sorgo granífero, que é o mais conhecido”, afirma Flávio Tardin, pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo, em entrevista exclusiva ao Broto. 

“Hoje, 90% das áreas plantadas com sorgo no Brasil são com sorgo granífero, cujo foco é a produção do próprio grão”, detalha.   

Produção nacional

O levantamento mais recente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) aponta que o Brasil deverá produzir 4,947 milhões de toneladas de sorgo na safra 2024/25, um aumento de 11% em relação às 4,425 milhões de toneladas colhidas em 2023/24. 

O volume esperado para a atual temporada é resultado de 1,554 milhão de hectares semeados com o grão (+6,5% ante a safra passada) e de uma produtividade média que deve alcançar 3.182 kg/ha (+4,9% ante o ciclo anterior).

Goiás e Minas Gerais lideram a produção nacional de sorgo, com uma colheita esperada de 1,338 milhão de toneladas e 1,201 milhão de toneladas, respectivamente, na safra 2024/25. Em sequência na lista, São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul devem produzir pouco mais de 400 mil toneladas cada um neste ciclo. 

O cultivo do sorgo

De acordo com o pesquisador da Embrapa, a constituição química do sorgo é muito semelhante à do milho, o que o torna o principal substituto do cereal na segunda safra, sobretudo quando a janela ideal de semeadura do milho foi perdida e/ou a previsão do tempo está apontando para falta de chuvas.  

“O sorgo possui mecanismos fisiológicos que o permitem resistir mais a essas atipicidades climáticas que a gente tem visto, como a falta de água e os veranicos”, diz Tardin, indicando ao produtor sempre consultar o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc), do Ministério da Agricultura (MAPA), que detalha o período ideal de semeadura de cada cultura de acordo com a região.  

Desmentindo mitos 

Flavio conta que, por muito tempo, um dos maiores mitos que rondavam a cultura do sorgo era o fato dele ser associado à menor produtividade da soja, quando plantado na segunda safra, ou aplicado em uma rotação de culturas

“Isso é uma mentira. Grosseiramente falando, antigamente, o sorgo era jogado e plantado de qualquer jeito. Não existia um planejamento, o produtor não queria investir, não utilizava adubo”, comenta Tardin, destacando alguns benefícios do sorgo, como as raízes mais profundas, que ajudam na construção do solo. 

Outro benefício da rotação de culturas entre soja e sorgo levantado pelo pesquisador da Embrapa é o fato dele ser resistente a uma série de nematoides que incidem sobre as lavouras de soja. Sendo assim, ao optar por esse revezamento, o sorgo impede a multiplicação desses nematoides, quebrando o seu ciclo reprodutivo e, consequentemente, gerando melhores condições para a safra seguinte de soja

Uma prova do recente sucesso do sorgo no Brasil é o salto observado na produção, que cresceu 114% de 2014 para 2024, aponta a DATAGRO Grãos. No mesmo recorte, indica a consultoria, a área semeada com o grão no país avançou 94%.    

Embrapa empenhada 

Para contribuir com a expansão do cultivo de sorgo no Brasil, o foco atual das pesquisas da Embrapa está no desenvolvimento de novos cultivares, mais resistentes a pragas e que alcancem uma maior produtividade. 

De acordo com Tardin, o principal vilão das lavouras de sorgo em todo Brasil hoje é o pulgão, que se alimenta na face inferior das folhas, sucando a seiva e causando danos como manchas necróticas e a produção de melado. 

Quanto à produtividade, o pesquisador afirma que o mercado historicamente paga por peso e não por qualidade. Por isso, a Embrapa busca sempre por cultivares mais produtivos e que não necessariamente tenham mais amido, para a produção de etanol, ou mais proteína, para a fabricação de ração.  

Exemplo prático foi o lançamento no começo deste mês pela Embrapa Milho e Sorgo (MG), junto da empresa Latina Seeds, do híbrido de sorgo granífero BRS 3002, chamado comercialmente de LAS3004G. 

A nova cultivar supera até 6 toneladas por hectare e se destaca pela colheita precoce e estabilidade de produção em plantios de segunda safra, o que garante mais segurança ao produtor. 

O futuro do mercado de sorgo 

A utilização do sorgo como matéria-prima para a fabricação de ração animal é a mais comum no Brasil – mas suas funções não param por aí. Nos últimos anos, as usinas de etanol de cereais começaram a utilizá-lo para a fabricação do biocombustível, uma vez que seu grão é rico em amido, assim como o milho. 

“É o mesmo sorgo. O mesmo grão que vai para a fabricação de ração animal vai para a indústria de etanol”, comenta Flávio Tardin. 

Como alerta aos produtores, o pesquisador da Embrapa recomenda observar se a cultivar escolhida tem tanino, um composto que se complexa com a proteína presente no sorgo, dificultando a absorção dos animais e a quebra dos grãos para a fabricação de etanol. “É um alerta, mas os produtores não têm muito com o que se preocupar. Hoje em dia, mais de 95% das cultivares presentes no mercado não tem tanino”, afirma Tardin.

Para o futuro do sorgo no Brasil, Flávio segue apostando nas indústrias de ração e etanol como seus principais mercados, mas também sinaliza para um crescimento do seu consumo na alimentação humana e para a possibilidade de ganhar mercados internacionais

A Embrapa possui uma pesquisa sobre a utilização do sorgo na alimentação humana e uma coletânea com algumas receitas à base de sorgo. Conheça um pouco mais do papel que o sorgo pode ocupar na alimentação humana.