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Incêndios zumbis: o fogo invisível que ameaça o solo do Pantanal

Fogo invisível que se alastra por baixo da terra já destrói raízes, ameaça a fauna e reacende queimadas mesmo após a chuva

incêndios zumbis
Foto: Divulgação / Brigada de Alter do Chão (PA)

Imagine um fogo que ninguém vê, que não solta fumaça aparente, mas continua queimando por dias, semanas ou até meses debaixo da terra. Esse é o cenário real e alarmante dos incêndios zumbis no Pantanal, um fenômeno silencioso e devastador que desafia a ciência, a brigada de incêndios e a própria natureza.

Esses incêndios subterrâneos, também conhecidos como fogo no subsolo do Pantanal, estão se tornando uma ameaça crescente à saúde dos ecossistemas, à biodiversidade e à segurança ambiental. Neste artigo, vamos explicar de que forma o que são essas queimadas invisíveis, por que são tão perigosas, como surgem e o que pode ser feito para conter essa crise ambiental no Pantanal.

O que são os incêndios zumbis ou subterrâneos

Os chamados incêndios zumbis são focos de combustão subterrânea que persistem abaixo da superfície, geralmente em solos ricos em matéria orgânica, como o solo do Pantanal. Ao contrário do fogo visível, que se espalha rapidamente pelas copas das árvores ou pela vegetação seca, esses incêndios queimam lentamente raízes, turfas e sedimentos acumulados.

O nome “zumbi” vem justamente da ideia de algo que deveria estar morto, mas continua ativo, como brasas escondidas que ressurgem com o vento ou com o calor, reacendendo focos de incêndio mesmo após chuvas ou o fim de uma grande queimada.

Eles são extremamente difíceis de detectar, muitas vezes não liberam fumaça visível e se alastram de forma sorrateira, o que os torna um verdadeiro pesadelo para quem tenta controlá-los.

Como esses incêndios surgem no Pantanal

O Pantanal é a maior planície alagável do mundo e, normalmente, os seus solos permanecem úmidos durante boa parte do ano. No entanto, com a intensificação da seca, provocada principalmente pelo aquecimento global e por alterações no regime de chuvas, o solo passa a acumular matéria orgânica seca, criando um ambiente ideal para os incêndios subterrâneos.

Esses focos podem começar a partir de:

  • Queimadas superficiais mal controladas, que deixam brasas no solo;
  • Descargas elétricas ou ações humanas;
  • E até reaquecimento do solo por exposição solar intensa, principalmente em áreas de turfa (solo orgânico altamente inflamável).

Segundo o governo do Mato Grosso do Sul, em 2024, o Pantanal viveu uma das secas mais severas dos últimos 70 anos, o que aumentou significativamente os riscos de fogo no subsolo do Pantanal

Por que os incêndios subterrâneos são tão perigosos

A ameaça dos incêndios zumbis vai além do que os olhos podem ver. Por estarem ocultos, esses focos:

  • Dificultam o combate direto, pois as equipes não conseguem localizar a origem exata do fogo;
  • Comprometem o solo, destruindo raízes, microrganismos e a estrutura orgânica que sustenta a vegetação;
  • Reacendem novos focos mesmo após o incêndio ter sido considerado controlado;
  • Liberam gases poluentes, como monóxido de carbono e metano, que contribuem para o aquecimento global.

Além disso, o Pantanal é uma das regiões com maior biodiversidade do planeta. A propagação de incêndios subterrâneos compromete habitats inteiros, colocando em risco animais como a onça-pintada, o tuiuiú e o cervo-do-pantanal.

Casos recentes de incêndios zumbis no Pantanal

Em junho de 2024, um estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) revelou que cerca de 35% das áreas queimadas no Pantanal apresentaram sinais de combustão subterrânea. Segundo o levantamento, mais de 800 mil hectares foram afetados por incêndios desde o início do ano, e muitos desses focos persistem mesmo após a extinção aparente.

Brigadistas relataram em diversos pontos do bioma brasas subterrâneas que voltavam a emergir dias depois de serem “apagadas”. Em alguns casos, o fogo percorreu quilômetros abaixo da superfície, surgindo do nada em áreas teoricamente seguras.

Um relatório do MapBiomas também indicou que, entre janeiro e maio de 2024, o Pantanal teve mais focos de calor do que em todo o mesmo período de 2020, ano marcado pela maior tragédia ambiental da história do bioma.

Como cientistas e brigadistas estão lidando com o problema

Combater o fogo que não apaga é uma tarefa complexa, que exige conhecimento técnico, tecnologias específicas e muito esforço humano. Cientistas da Embrapa Pantanal vêm estudando o comportamento desses incêndios subterrâneos e buscando formas de detecção precoce.

Entre as estratégias adotadas estão:

  • Sensoriamento remoto por satélites térmicos, que conseguem identificar áreas com alta temperatura abaixo da superfície;
  • Uso de sondas térmicas para medição de calor no solo;
  • Aplicação de grandes volumes de água e abafamento com argila, técnica comum em áreas de turfa;
  • Monitoramento contínuo após o incêndio aparente ter cessado.

Brigadistas do Prevfogo e ONGs ambientais como SOS Pantanal também têm intensificado o treinamento para detectar sinais de combustão subterrânea. Mas o combate ainda é difícil e custoso.

O que pode ser feito para evitar a propagação desses incêndios

Prevenir é, sem dúvida, o melhor caminho para evitar a propagação dos incêndios zumbis no Pantanal. E essa prevenção passa por várias frentes:

  1. Monitoramento climático e da umidade do solo, para prever áreas de risco;
  2. Criação de aceiros mais profundos, que dificultem a passagem do fogo para o subsolo;
  3. Educação ambiental e restrição ao uso de queimadas durante a estação seca
  4. Restauro de áreas degradadas, com reflorestamento e recuperação da umidade do solo;
  5. Investimento público e privado em tecnologias de combate e prevenção.

Também é essencial que os governos estaduais e federal estabeleçam políticas integradas de combate aos incêndios, com atenção específica ao Pantanal, que tem características ecológicas únicas.

Logo, os incêndios zumbis são uma ameaça silenciosa, mas devastadora. O Pantanal, que já sofre com as secas extremas e o impacto das ações humanas, agora enfrenta esse novo desafio: o fogo invisível que ameaça o solo e a biodiversidade do bioma.

A boa notícia é que cientistas, brigadistas e comunidades locais estão atentos e se mobilizando para conter esse inimigo oculto. Mas é urgente que todos, poder público, produtores, população e setor ambiental, se unam para preservar esse patrimônio natural inestimável.

Afinal, proteger o Pantanal é proteger a vida, a água, o clima e o futuro do nosso planeta.Gostou desse tipo de conteúdo? Então, nos acompanhe nas redes sociais para ficar por dentro de mais informações e curiosidades sobre o agro no Brasil.