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Nova Lei dos Bioinsumos estabelece marco regulatório e promete destravar investimentos no setor

Por outro lado, a falta de decretos infralegais ainda gera insegurança no campo e na indústria

Foto: Mark Stebnicki/Pexels
Foto: Mark Stebnicki/Pexels

Sancionada em dezembro do ano passado, a Lei 15.070, mais conhecida como Lei dos Bioinsumos, é a nova legislação que cria regras específicas para regulamentar toda a cadeia de produção, comercialização e uso de bioinsumos na agropecuária brasileira — um marco há muito aguardado por empresas, pesquisadores e produtores rurais.

Segundo a CropLife Brasil, a aprovação da nova legislação é vista com otimismo pela indústria de pesquisa e desenvolvimento de bioinsumos, marcando o início da construção de um marco legal que oferecerá segurança jurídica para produtos biológicos com múltiplas funcionalidades. 

“Além disso, há grandes expectativas para maior clareza nas regras e robustez regulatória, incentivando novos investimentos e fortalecendo a capacidade do Brasil de exportar tecnologias para outros países”, afirma a associação civil que representa empresas especializadas em pesquisa e desenvolvimento de soluções para a produção agrícola sustentável.

Dados da própria entidade mostram que o uso de bioinsumos cresceu 13% na safra 2024/25, alcançando uma área tratada de 156 milhões de hectares. A taxa de adoção por área passou de 23% para 26% em comparação com a safra anterior, com destaque para a cultura da soja, que respondeu por 62% da utilização.

Até então, os bioinsumos eram regulados pela Lei dos Agrotóxicos — de forma genérica e pouco adequada às suas características. A nova legislação traz avanços importantes, como o reconhecimento de categorias distintas (biofertilizantes, biodefensivos, inoculantes, bioestimulantes), registro simplificado para produtos de baixo risco e a permissão para registro único de produtos com múltiplas funcionalidades.

Segundo Juliana Neves e Gabriela Monteiro, advogadas e sócias do escritório de advocacia Licks Attorneys, a legislação anterior causava insegurança jurídica ao equiparar os bioinsumos a defensivos químicos. “De forma geral, predominava a lógica de equiparação aos defensivos agrícolas e fertilizantes […] Essa equiparação […] muitas vezes resultava na exigência de protocolos rigorosos, como avaliações de risco para organismos não-alvo, registro técnico semelhante ao dos defensivos químicos e regras rígidas para transporte, armazenamento e aplicação — ainda que os bioinsumos apresentassem, em regra, baixo impacto ambiental”.

Agora, com o novo marco, esses produtos passam a contar com regras mais adequadas à sua natureza e benefícios sustentáveis. Além disso, a Lei 15.070 também autoriza expressamente a produção on farm e institui a Taxa de Registro de Estabelecimento e Produto da Defesa Agropecuária (Trepda).

Produção on farm legalizada, mas ainda desafiadora

A produção de bioinsumos nas propriedades rurais, conhecida como on farm, foi formalmente reconhecida. A nova lei permite que produtores individuais ou cooperativas elaborem seus próprios bioinsumos para uso exclusivo, sem necessidade de registro junto ao Ministério da Agricultura, desde que respeitados critérios técnicos e sanitários.

Para a CropLife Brasil, “a produção on farm é uma ferramenta relevante para a sustentabilidade e autonomia do produtor, desde que feita de forma responsável, com respeito à lei e às tecnologias protegidas”.

Entretanto, a ausência de regulamentações específicas para cadastro, rastreabilidade e controle de qualidade ainda gera insegurança. Juliana e Gabriela alertam: “a utilização indevida de tecnologias protegidas, fora dos limites da autorização legal ou contratual, pode configurar infração e sujeitar o produtor à responsabilização”. Isso inclui o uso de produtos registrados ou patenteados sem autorização legal.

Outro desafio relevante será a harmonização com outras normas legais, como a Lei de Agrotóxicos e a Lei de Biodiversidade”. Sem um alinhamento normativo consolidado, atos rotineiros de pesquisa e produção podem ser confrontados com barreiras regulatórias inesperadas.

Gargalos no registro e na pesquisa

Apesar dos avanços legais, o processo de registro de novos bioinsumos continua enfrentando entraves burocráticos. A tramitação ainda passa por múltiplos órgãosMapa, Anvisa e Ibama — o que torna o processo lento e dispendioso. As advogadas destacam que “o lançamento de um bioinsumo no mercado depende de investimentos substanciais em pesquisa, desenvolvimento e estrutura regulatória”.

A Lei da Biodiversidade (13.123/2015) também impõe exigências rigorosas para o uso de recursos genéticos brasileiros, o que pode dificultar ainda mais a entrada de novas soluções, especialmente por pequenas empresas e agtechs. “O cumprimento dos requisitos legais relacionados ao acesso ao patrimônio genético […] não é apenas uma formalidade, mas condição essencial para a validade dos direitos de PI e para a segurança jurídica das atividades de pesquisa”, completam.

Rumo ao mercado global

A aprovação da Lei dos Bioinsumos é sem dúvida um marco para o setor, mas ainda representa apenas o primeiro passo para concretizar todo o potencial desse mercado.

Embora a legislação tenha estabelecido um arcabouço jurídico básico e reconhecido a produção on farm, muitos desafios permanecem por conta da ausência de regulamentações infralegais que detalham procedimentos para registro simplificado, transporte, armazenamento, rastreabilidade e fiscalização efetiva. Sem essas normas, a aplicabilidade prática da lei continua limitada e sujeita a interpretações divergentes entre órgãos estaduais, comprometendo a segurança jurídica desejada pelo setor.

Apesar desses entraves, o lançamento do Projeto Bioinsumos do Brasil, no início de maio deste ano, fruto de uma parceria entre a ApexBrasil e a CropLife Brasil, aponta para uma promissora oportunidade de negócios no mercado internacional. O país conta hoje com mais de 170 empresas produtoras de bioinsumos e um portfólio que ultrapassa mil produtos registrados, segundo a entidade.

O objetivo é posicionar o Brasil como referência global em soluções sustentáveis para agricultura tropical, com metas ambiciosas: estima-se que, na próxima década, o país possa representar um terço do mercado mundial de bioinsumos.

Combinadas, essas ações e o crescente ritmo de adoção dos bioinsumos, consolidam uma oportunidade de negócios internacional robusta. A qualidade técnica dos produtos brasileiros, sua competitividade econômica e o alinhamento a práticas de produção sustentável abrem caminho para inserção nos mercados globais.

“É um momento decisivo para dar início a esse projeto”, afirmou o diretor‑presidente da CropLife Brasil, Eduardo Leão. O Brasil precisa agora entregar regulamentação coerente e suporte institucional para que seus produtos se tornem verdadeiros “produtos tipo exportação”, contribuindo para a bioeconomia nacional e fortalecendo sua imagem como potência agrícola sustentável.