O girassol (Helianthus annuus), embora popularmente chamado de flor, é, na verdade, uma inflorescência, isto é, um conjunto de pequenas flores que formam a “cabeça” característica da planta. Muito além da beleza de suas pétalas amarelas, essa cultura vem se consolidando como uma oleaginosa essencial e um elo entre produtividade e sustentabilidade no campo.
“O girassol é uma cultura de muitas oportunidades. Ele tem uma rusticidade impressionante e benefícios que vão muito além do óleo”, afirma o pesquisador da Embrapa, Vicente Godinho, que já possui mais de 20 anos de carreira dedicados ao estudo da planta.
No Brasil, o cultivo de girassol possui uma peculiaridade em relação a outros países do mundo. Por aqui, a planta é cultivada na segunda safra, a chamada safrinha. Essa adaptação, consolidada principalmente na Região Centro-Oeste, encontrou em Goiás o epicentro nacional da produção.
Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), na recém-encerrada safra 2024/25, foram colhidas, em nível nacional, 100,4 mil toneladas de girassol, um aumento de 41,2% sobre o ciclo anterior. A área plantada somou 61,9 mil hectares, o que gerou uma produtividade média de 1.622 kg/ha. Goiás respondeu por quase três quartos do volume total colhido, com 74,2 mil toneladas.
Para a temporada 2025/26, que será colhida apenas no ano que vem, a Conab projeta um leve incremento de 3,1% na área plantada com girassol no Brasil, para 63,8 mil hectares. A produção deve crescer 1,5%, para 101,9 mil toneladas.
Um aliado invisível da saúde do solo
A importância do girassol vai muito além do valor gerado pela colheita. Trata-se de uma planta que recicla nutrientes e melhora a estrutura do solo, desempenhando um papel essencial em sistemas de rotação de culturas.
“A grande vantagem do girassol é a capacidade de reciclar nutrientes, principalmente o potássio. Ele busca o elemento em camadas mais profundas do solo e o traz de volta à superfície”, explica Godinho.
Essa função “faxineira” faz do girassol um supressor biológico natural de alguns patógenos e nematóides, melhorando a produtividade das safras seguintes. Além disso, sua tolerância a estresses hídricos e térmicos o torna ideal para áreas de menor fertilidade ou janelas de plantio tardias.
Segundo o pesquisador da Embrapa, em menos de duas décadas, o avanço genético está permitindo que a produtividade do girassol bata 3.000 kg/ha em condições de tempo e cultivo ideais.
Um óleo nobre e oportunidades de mercado
O óleo de girassol é o quarto mais consumido do mundo – atrás do óleo de palma, de soja e de canola – e considerado um produto nobre, com preço superior aos demais. No Brasil, porém, a produção ainda não atende à demanda interna, fazendo com que grande parte do óleo consumido venha importado da Argentina.
Esse cenário abre espaço para investimentos na produção local e no desenvolvimento de linhagens alto-oleicas, com teor de ácido oleico superior ao da própria oliva, ampliando o potencial para produtos premium, como o óleo extra virgem de girassol. “A gente já tem materiais genéticos com mais de 50% de óleo na matéria seca e qualidade comparável à do azeite”, destaca Godinho.
Por sua nobreza e preço elevado, o óleo de girassol não é viável para biodiesel, sendo mais vantajoso destiná-lo à indústria alimentícia e farmacêutica.
Além do óleo: mel, turismo e biodiversidade
Além do óleo e do farelo, o girassol gera receitas secundárias expressivas. Ele se apresenta como uma das melhores fontes para a apicultura, produzindo um mel de qualidade excepcional, com aroma e sabor marcantes.
A beleza plástica das lavouras em flor também impulsiona o agroturismo, atraindo visitantes em busca de paisagens fotogênicas e experiências rurais.
Desafios fitossanitários, logísticos e de competitividade
Apesar do potencial, o girassol enfrenta desafios importantes. O Mofo Branco (Sclerotinia sclerotiorum) é uma das principais doenças que limitam a expansão da cultura em regiões de maior altitude e clima mais ameno.“A severidade do mofo branco pode ser devastadora. Em alguns casos, o produtor colhe mais escleródios do que grãos de girassol”, alerta o pesquisador.
Outro obstáculo à expansão do cultivo está na logística. Por ser um grão leve, o frete é caro: enquanto um caminhão transporta 40 toneladas de soja, leva apenas 20 a 25 de girassol. Isso restringe o cultivo a áreas próximas às indústrias esmagadoras, hoje concentradas em Goiás.
A competição com culturas de maior liquidez, como milho, algodão e gergelim, também reduz o interesse de produtores. Essas commodities oferecem retorno mais rápido e cadeias de comercialização consolidadas.
O futuro: um refúgio agronômico
Mesmo diante das limitações, Vicente Godinho vê na planta um papel cada vez mais estratégico. “O futuro do girassol não é só competir com o milho ou o algodão, mas se firmar como um refúgio agronômico, como uma cultura segura para áreas de maior restrição climática ou de solo”, resume o pesquisador da Embrapa.
Nessas áreas, o girassol cumpre uma função dupla: preserva a sustentabilidade da lavoura e mantém a renda do produtor, consolidando-se como uma cultura de equilíbrio entre produtividade e conservação.