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Sementes piratas de soja provocam perdas anuais de R$ 10 bilhões à cadeia produtiva 

Utilização de sementes piratas causam perda de produtividade e maiores gastos com corretivos e defensivos; saiba como diferenciá-las das sementes certificadas 

Foto: Melquizedeque Almeida/Pexels
Foto: Melquizedeque Almeida/Pexels

As sementes representam mais do que o ponto de partida de uma lavoura. Elas concentram o que há de mais avançado em termos de tecnologia e inovação genética. No entanto, um dos principais pilares da agricultura moderna – as sementes certificadas – está sob grave ameaça no Brasil.

De acordo com uma pesquisa inédita conduzida pela CropLife Brasil (CLB), entidade que representa a indústria de insumos agrícolas, em parceria com a consultoria Céleres, a pirataria de sementes, especialmente no cultivo da soja, tem comprometido o desempenho do agronegócio nacional e provocado prejuízos bilionários em toda a cadeia produtiva.

Segundo o estudo, apenas na safra 2023/24 de soja, o uso de sementes irregulares levou a uma perda média de 17% na produtividade – o equivalente a quatro sacas por hectare. Considerando a área total da produção nacional na referida temporada, estima-se que cerca de 11% das lavouras no país – o correspondente ao tamanho do Mato Grosso do Sul – foi ocupada por sementes piratas.

As consequências econômicas são devastadoras: R$ 10 bilhões em perdas anuais. Os prejuízoas atingem desde os agricultores até o próprio governo, passando pela indústria processadora e o mercado de exportações.

Ameaça ao progresso científico  

Hoje, mais de 90% das espécies usadas na produção de alimentos em todo o mundo são propagadas por sementes. Cada cultivar comercial disponível no mercado é o resultado de anos – às vezes décadas – de pesquisas que visam características como rendimento, resistência a pragas e doenças, pureza genética, qualidade fisiológica e rastreabilidade.

Entre os benefícios do melhoramento genético de plantas, especialistas destacam o aumento da produtividade, melhorias na qualidade nutricional, mudanças na arquitetura da planta – como altura e formato das folhas –, precocidade, uniformidade, maior longevidade da lavoura, facilitação da colheita mecanizada e resistência a pragas, doenças e variações climáticas.

Contudo, todos esses avanços são colocados em risco pelo comércio ilegal de sementes. O presidente da CLB, Eduardo Leão, classifica a pirataria como uma ameaça concreta à segurança alimentar e ao progresso tecnológico do setor.

“A pirataria de sementes é um problema sério, que ameaça não apenas a produtividade no campo, mas também o avanço tecnológico da agricultura brasileira. Ao deixar de investir em sementes certificadas, o país perde competitividade, sustentabilidade e arrecadação. É uma prática onde todos perdem, do agricultor às exportações no agro”, alerta.

“A pirataria coloca em risco a viabilização do aporte de R$ 900 milhões em investimentos previstos no setor para os próximos dez anos”, completa Leão.

Os dados apontam que, apenas com o fim da pirataria na soja, a arrecadação no setor poderia ser ampliada em R$ 2,5 bilhões para os agricultores, R$ 4 bilhões para a indústria de sementes, R$ 1,2 bilhão para a agroindústria de farelo e óleo e R$ 1,5 bilhão para as exportações. Além disso, estima-se que o governo deixe de arrecadar R$ 1 bilhão em impostos nos próximos dez anos por conta da comercialização ilegal.

Sementes certificadas e piratas

Buscando entender melhor a situação, conversamos com a equipe da DATAGRO Alta Performance, que reforçou a diferença entre sementes certificadas e piratas.

Segundo os especialistas, a semente certificada é aquela registrada no Ministério da Agricultura e produzida oficialmente. Por isso, ela tem uma série de pré-requisitos a cumprir, categorizados conforme a qualidade genética e com as características física, fisiológica e sanitária.

Por outro lado, continuam os técnicos, as sementes piratas são produzidas sem qualquer registro ou fiscalização, muitas vezes em condições artesanais, e vendidas sem critérios técnicos. A falta de critérios, nesse caso, resulta muitas vezes na presença de impurezas como sementes de outras espécies, torrões com nematoides e fungos – elementos que podem provocar sérios prejuízos fitossanitários.

Recomendação ao produtor

De forma direta, tecnicamente, nunca valerá a pena adquirir sementes piratas ao invés de certificadas. Colocando na ponta do lápis, cedo ou tarde, o agricultor vai perceber que terá que gastar mais com corretivos, defensivos e com operações mecanizadas, para combater plantas daninhas e doenças que não existiam anteriormente na área.

Além do prejuízo direto à produção, a pirataria de sementes compromete todo o ecossistema da inovação agrícola. Por isso, saber identificar sementes piratas é essencial. Entre algumas características delas estão:  

  • Embalagens reaproveitadas (de adubo, ração ou semente), com anotações manuais;
  • Sacarias brancas ou big bags reutilizados, sem identificação legal ou informações técnicas;
  • Grãos comerciais padronizados vendidos como sementes, com preço muito abaixo do mercado;
  • Transporte a granel em caminhões, especialmente em épocas de pré-plantio;
  • Notas fiscais de grãos acobertando sementes ilegais.

Já as sementes certificadas apresentam:

  • Sacarias invioladas ou big bags novos, lacrados e com etiquetas contendo razão social, CNPJ ou CPF, endereço, número de inscrição no Registro Nacional de Sementes e Mudas (RENASEM) e informações de qualidade;
  • Venda acompanhada de nota fiscal e certificado ou termo de conformidade;
  • Conformidade com os padrões estabelecidos pelo Ministério da Agricultura.

Nesse cenário, o alerta é claro: investir em sementes certificadas não é apenas uma escolha técnica. Mas sim um compromisso com a produtividade, a sustentabilidade e a legalidade no campo. Em tempos de pressão por eficiência e inovação, o futuro do agro depende da semente que se planta hoje.