A Embrapa Cerrados (DF) está liderando uma pesquisa inédita para recuperar áreas degradadas por mineração de ouro no município de Paracatu (MG), utilizando espécies nativas e adaptadas ao Cerrado.
O projeto, realizado em parceria com a mineradora Kinross Gold Corporation, visa criar um protocolo sustentável de revegetação que possa ser replicado em outras regiões do Brasil.
Solos de barragens apresentam condições críticas
Os estudos são realizados na mina Morro do Ouro, especificamente nos taludes — encostas que sustentam os rejeitos da mineração.
Os diagnósticos iniciais indicaram altos níveis de acidez, compactação, metais tóxicos, baixa fertilidade e escassez de matéria orgânica.
“São ambientes hostis à vida vegetal, e a escolha das espécies certas é decisiva”, afirma a pesquisadora Leide Andrade, líder do projeto.
Espécies nativas são chave para recuperação do solo
A equipe da Embrapa tem testado combinações de plantas nativas e exóticas adaptadas ao bioma do Cerrado.
A proposta é gerar cobertura vegetal eficiente, respeitando os critérios técnicos e legais de segurança das barragens, que proíbem:
- Raízes profundas (para evitar rachaduras)
- Plantas com parte aérea densa (que dificultem a inspeção visual)
Experimentos testam sementes adaptadas ao Cerrado
Nos testes de campo, foram excluídas gramíneas de clima temperado, como aveia preta e azevém, e mantidas espécies mais compatíveis com o ambiente local, como:
- Estilosantes
- Braquiária humidicola
- Grama pensacola
Além disso, foram incluídas espécies promissoras como:
- Mimosa somnians (nativa do Cerrado)
- Alysicarpus vaginalis (originária da Ásia, com bom desempenho no bioma)
O desafio é a baixa disponibilidade comercial dessas sementes, dificultando a aplicação em escala.
Espécies agrícolas podem prejudicar a revegetação
Os testes mostraram que espécies comuns na agricultura, como o milheto, não são ideais para áreas mineradas. Quando usadas como cobertura verde, podem:
- Crescer em excesso
- Produzir muita biomassa, encobrindo o solo
- Sufocar o crescimento de outras espécies, como o estilosantes
“Mesmo uma espécie útil na agricultura pode ser inadequada nesse contexto”, alerta a pesquisadora Marina Vilela.
Projeto ajusta protocolo com base em evidências de campo
Os dados preliminares permitiram ajustes no desenho experimental, manejo das espécies e controle das variáveis ambientais.
A coleta e caracterização de solos foram coordenadas pelo pesquisador Fábio Bueno, enquanto o levantamento de sementes e plantas ficou sob responsabilidade de Fabiana Aquino e do analista Zenilton Miranda.
O estatístico Juaci Malaquias destaca que o novo protocolo permitirá maior precisão na avaliação da revegetação e replicabilidade dos resultados.
Barreiras técnicas e de mercado dificultam recuperação
A principal barreira à revegetação em larga escala está na qualidade e disponibilidade de sementes de espécies adaptadas ao Cerrado.
“Não adianta importar soluções que funcionam em outros biomas. A tecnologia precisa nascer aqui, no campo, com nossos solos, nosso clima e nossas espécies”, defende Leide Andrade.
Objetivo é transformar áreas mineradas em territórios sustentáveis
Embora o desafio seja grande, os primeiros resultados indicam que algumas espécies nativas conseguem se estabelecer mesmo em ambientes hostis, apontando caminhos promissores.
“A mineração transforma o território. Mas a forma como restauramos essas áreas também pode ser transformadora. Queremos criar modelos que respeitem a biodiversidade local”, conclui Andrade.