
O protagonismo feminino no agronegócio brasileiro tem crescido de forma consistente nas últimas décadas, mas ainda enfrenta obstáculos significativos. Segundo o último Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2017, cerca de 1,7 milhão de mulheres estão à frente de estabelecimentos agropecuários no país — seja como gestoras únicas (947 mil) ou em regime de codireção (817 mil). Esse número representa 33% do total de propriedades rurais, um salto expressivo em relação aos 13% registrados em 2006.
Apesar do avanço numérico, a presença feminina ainda é limitada em termos de estrutura e poder. As mulheres controlam apenas 8,4% da área total dos estabelecimentos agropecuários, o que reflete a desigualdade no acesso à terra e aos recursos produtivos, como crédito, assistência técnica e políticas públicas específicas.
Foi diante desse cenário que surgiu, em 2018, a Academia de Liderança para Mulheres do Agronegócio (ALMA), criada por meio de uma parceria entre a Corteva Agriscience, a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) e, atualmente, a FIA Business School. A iniciativa tem como objetivo fortalecer o papel das mulheres no agro por meio de capacitação, educação continuada e desenvolvimento de redes de apoio.
“A ALMA foi criada para incentivar o protagonismo feminino no agro por meio do conhecimento e do fortalecimento de network”, explica Rosemeire dos Santos, Líder de Relações Governamentais e Industriais da Corteva Agriscience.
A criação do programa foi motivada pelos resultados de uma pesquisa conduzida pela Corteva em 2018, que ouviu mais de 4 mil produtoras rurais em 17 países — sendo 500 no Brasil — para entender as barreiras que limitam a atuação das mulheres no setor. Desde então, mais de 500 produtoras brasileiras já passaram por treinamentos da ALMA.
A academia oferece dois formatos principais de capacitação. O primeiro é o curso de formação de lideranças, porta de entrada para o programa, que aborda temas estratégicos para o agro. Ao final da formação, as participantes apresentam projetos voltados à gestão da propriedade, sustentabilidade, educação, comunicação e ações comunitárias.
O segundo modelo, voltado a ex-alunas da ALMA, é atualizado anualmente a partir de pesquisas com as participantes e análises das tendências do setor. Em 2024, por exemplo, os cursos abordaram Gestão Financeira do Agro — com foco em custos, preços e financiamento — e ESG no Agro, capacitando as mulheres a elaborar relatórios ambientais e sociais de suas propriedades. Para 2025, o tema central será Desenvolvimento Humano nas propriedades rurais.
Além dos cursos, a ALMA promove seminários, mentorias e incentiva a participação das mulheres em eventos do setor, reforçando uma proposta de educação continuada, prática e personalizada para a realidade do campo.
Apesar do avanço, os obstáculos ainda são numerosos. Pesquisa realizada pelo Cepea-Esalq/USP, em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), aponta que cerca de 11 milhões de mulheres trabalham no agronegócio brasileiro, mas poucas chegam a ocupar posições de liderança. O machismo estrutural, a falta de representatividade, a sobrecarga de tarefas e a ausência de redes de apoio dificultam a ascensão feminina, especialmente nas pequenas e médias propriedades rurais.
“Nas propriedades rurais, dentro de um processo de sucessão, por exemplo, na maioria das vezes o incentivo para assumir as responsabilidades são para os filhos”, comenta Rosemeire. “Contudo, esse cenário vem mudando. As atividades nas fazendas estão se tornando mais complexas e têm se diversificado, ampliando a participação feminina e de jovens”.
A executiva também destaca que o envelhecimento da população rural pode acelerar essa mudança. Dados do IBGE revelam que 47% dos produtores brasileiros têm mais de 55 anos, o que indica que quase metade das propriedades rurais devem passar por uma transição de gestão nas próximas duas décadas.
“O problema é que muitas mulheres do agro ainda não se sentem preparadas para liderar. Daí a importância de iniciativas como a ALMA”, afirma Rosemeire.
O fortalecimento da presença feminina no agronegócio passa também pelo compromisso de empresas, entidades e instituições de ensino em criar ambientes mais inclusivos e acessíveis ao desenvolvimento de lideranças. Iniciativas como a ALMA demonstram que, com conhecimento, apoio e oportunidades, as mulheres do campo estão prontas para assumir papéis cada vez mais estratégicos no setor.
Valorizar o papel das mulheres no campo é mais do que uma questão de justiça social — é uma estratégia inteligente para impulsionar a inovação, a sustentabilidade e o desenvolvimento do setor.
“O fortalecimento de redes de apoio, a educação continuada, as mentorias e o incentivo ao protagonismo são caminhos que ampliam o espaço das mulheres no agro e fortalecem todo o ecossistema rural”, conclui Rosemeire.