
Resumo da notícia
- Um decreto assinado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, remove a tarifa recíproca de 10% sobre as importações de café do Brasil, mas mantém integralmente a taxação de 40% aplicada em agosto.
- Colômbia, Vietnã e Indonésia tiveram todas as tarifas zeradas, ampliando o desequilíbrio competitivo e gerando risco de perda permanente de mercado nos EUA.
- Exportadores brasileiros reduzem diferenciais de preço para outros mercados; Cecafé defende negociações específicas produto a produto com Washington.
- Mesmo com as tarifas, os EUA não conseguem substituir totalmente o arábica brasileiro devido ao baixo volume disponível de Colômbia e Peru.
- Projeções apontam boas chuvas e possível safra global maior, mas consultorias alertam para a volatilidade climática, logística e geopolítica.
Na última sexta-feira (14), o governo dos Estados Unidos publicou um decreto assinado pelo presidente Donald Trump que isenta determinados produtos agrícolas das tarifas recíprocas em vigor desde abril. A medida, segundo a Casa Branca, busca reduzir o custo de produtos que não podem ser produzidos em quantidade suficiente no país para atender à demanda interna e, assim, aliviar a inflação de itens de consumo diário.
Para o Brasil, a decisão remove 10% da tarifa adicional, mas mantém integralmente a taxação de 40% aplicada em agosto por meio de uma ordem executiva exclusiva ao país. O governo brasileiro comemorou a redução parcial: segundo o vice-presidente e titular do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, “a última ordem executiva do presidente americano Donald Trump foi positiva e na direção correta, à medida em que retirou 10% da alíquota para a entrada nos Estados Unidos para as exportações”.
Apesar do alívio inicial, a decisão gerou um novo desequilíbrio competitivo para os exportadores de café. Países como Colômbia, Vietnã e Indonésia tiveram tarifas completamente zeradas, ampliando a diferença de preço em relação ao produto brasileiro.
Como explica Marcos Matos, diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), em entrevista exclusiva ao Broto Notícias: “Dos nossos concorrentes, todos aqueles países produtores e exportadores de café, que são mais de 50 países produtores no mundo, vários deles acessam o mercado americano. Todos eles tiveram as suas tarifas zeradas ou eles já tinham acordo bilateral firmado”.
Na prática, isso aprofunda o distanciamento competitivo do Brasil em relação aos concorrentes.
Os Estados Unidos seguem com forte demanda. Segundo a Associação Nacional do Café, 66% dos adultos americanos consomem a bebida diariamente, o maior nível em 20 anos e um crescimento de 37% desde 2004. Essa combinação – consumo elevado e tarifas desiguais – acende o alerta sobre perda permanente de mercado.
Marcos reforça: “o nosso drama, ele é no presente, com prejuízos, e no futuro, com prejuízos muito maiores, incalculáveis e irreversíveis”.
Para compensar a ausência do mercado americano, os produtores e exportadores brasileiros têm sido forçados a ampliar os descontos nos diferenciais de preço para outros destinos. Na prática, isso significa abrir mão de margem para manter o fluxo de exportações. Esse efeito, embora menos visível, é um dos mais prejudiciais, segundo o diretor do Cecafé.
Nos bastidores, informações levantadas pela CNN revelam que a decisão de reduzir tarifas sobre café, carnes, frutas e castanhas foi tomada dias antes do encontro entre o chanceler brasileiro Mauro Vieira e o secretário de Estado americano, Marco Rubio. A coincidência temporal levou empresários e autoridades brasileiras a interpretarem, inicialmente, que a medida seria resultado direto da reunião – o que não se confirmou.
A ausência de um posicionamento claro alimenta a percepção de que o gesto do presidente Trump não evoluiu para uma suspensão mais ampla do tarifaço.
Para Marcos, o Brasil precisa ajustar sua abordagem: “Não temos um plano B, a questão é resolver o tarifaço”, afirma. Segundo ele, é o momento de partir para negociações produto a produto, identificando onde há sensibilidade política nos EUA e onde não há.
Exportações, oferta e demanda no curto prazo
O Brasil é o maior produtor de café do mundo: líder absoluto em arábica (36,5 milhões de toneladas, segundo projeção da DATAGRO para 2025/26) e segundo maior em robusta (25 milhões de toneladas).
A maior parte das exportações brasileiras para os Estados Unidos é composta por café arábica: 6,66 milhões de sacas em 2024, o equivalente a 81,1% do total enviado ao país. Para a DATAGRO, mesmo com a disputa comercial, a dependência americana do café brasileiro tende a continuar no curto prazo.
Isso porque o Brasil, a Colômbia e o Peru são os principais exportadores de arábica entre agosto e dezembro, mas 40,55% do café colombiano e 24,70% do café peruano já têm como destino os EUA. Assim, esses países não têm volume suficiente para substituir o Brasil integralmente.
A consultoria resume: “considerando a forte participação do café brasileiro no mercado norte-americano, fica evidente a dificuldade de substituição plena da origem brasileira em um curto prazo, principalmente em um cenário de estoques reduzidos no mercado norte-americano e global”.
Clima, safra e expectativas para 2026/27
Enquanto preços sobem no exterior e no Brasil, há expectativa de que uma safra global maior em 2026/27 possa reduzir parte da pressão.
A DATAGRO destaca que o mercado vem de quatro safras consecutivas de déficit e que o balanço mundial neste ano pode cair cerca de 2,56%. Entretanto, modelos meteorológicos – incluindo projeções do ECMWF – indicam boas chuvas em novembro nas regiões cafeeiras brasileiras, além de temperaturas próximas ao normal.
Vietnã, México, América Central e Colômbia também apresentam sinais climáticos favoráveis até o momento.
Ainda assim, a consultoria pondera que é prematuro afirmar que a próxima safra será excepcional – entendimento reforçado por Marcos, que relembra a alta volatilidade do mercado: há variáveis climáticas, logísticas e geopolíticas capazes de alterar completamente o cenário.