
Resumo da notícia
- A apresentação de um químico brasileiro no congresso na China destacou a escala e as particularidades da produção agrícola do país.
- O Brasil chamou atenção por operar sob condições climáticas extremas, funcionando como um “laboratório a céu aberto”.
- Pesquisas chinesas apresentaram avanços em drones e formulações biológicas ainda pouco disponíveis no Brasil.
- O público se surpreendeu com a complexidade das misturas utilizadas no campo e com o predomínio de formulações aquosas e sólidas.
- O país se destaca em preparo de calda e produtividade, mas ainda enfrenta lacunas em segurança, capacitação e uso regulado de tecnologias.
O Brasil esteve no centro das discussões do 6th Ag Formulation & Application Technology Congress, evento realizado no final de novembro em Hangzhou, na China, que reuniu universidades, institutos e empresas dedicadas a pesquisas e práticas de formulações e técnicas de uso no campo.
A Sell Agro, empresa com sede em Rondonópolis (MT), foi a única brasileira a participar do congresso, representada pelo seu químico e responsável técnico, Marcelo Hilário.
Em entrevista exclusiva para o Broto Notícias, Hilário conta as novidades tecnológicas que presenciou durante o evento e como foi a missão representar não só a empresa, mas também o Brasil como principal produtor e exportador global de alimentos.
“As pessoas não sabem da realidade do Brasil. Quando eu contei que nós somos um país que planta menos de 10% da área total e preserva dois terços, eu vi a plateia arregalar o olho”, lembra. Na oportunidade, Hilário também explicou que o país opera com três ciclos de produção ao ano e mantém o plantio em períodos que, em outras regiões, seriam inviáveis. “Eles falavam: é o país das oportunidades”, conta.
Condições brasileiras e desafios de aplicação
Na apresentação, o especialista detalhou por que o Brasil é, segundo ele, um “laboratório a céu aberto”. “Temos condições particulares. A condição ideal é temperatura abaixo de 35 ºC e umidade acima de 65%. No Mato Grosso, não tem isso”, contextualiza. A adaptação constante às condições locais, diz, impulsiona métodos específicos. “Nós fazemos ciência. O Brasil é pós-doutor em produtividade total dos fatores”.
Tecnologias observadas na China
Entre os trabalhos apresentados no congresso, o representante da empresa identificou pesquisas com potencial para uso no Brasil. “Eles têm tecnologias para aplicação com drones que nós ainda não temos. A gente ainda briga com instabilidade de calda para aplicação por drone”, salienta, destacando, em seguida, a diferença na escala de uso: “A China tem 250 mil drones. O Brasil tem 35 mil.”
O químico também observou estudos sobre formulações biológicas. “Existem algumas formulações que eles têm hoje e que aqui ainda estamos um pouco atrás”, revela.
Formulações usadas no Brasil e reações do público
Marcelo explicou aos participantes por que o país utiliza mais formulações aquosas e sólidas. “Eles ficaram surpresos. Existe uma formulação lá fora que aqui no Brasil não vingou, que é a OD”, conta. Ele atribuiu o contraste às características da logística nacional. “Ainda dependemos da questão rodoviária. Não temos a segurança logística dos países europeus e da China”, acrescenta.
Para o representante da Sell Agro, as formulações SL (concentrado solúvel), EC (concentrado emulsionável), SC (suspensão concentrada) e WG (granulado dispersível) devem continuar presentes no mercado. “Para que elas percam espaço, teria que haver uma revolução com formulações à base de água. É muito difícil, porque muitos ingredientes ativos dependem desse tipo de formulação”, explica, citando, ainda, novos formatos em desenvolvimento: “A formulação ZC (concentrado de suspensão mista) é um encapsulado com SC, com liberação controlada.”
Complexidade das aplicações no campo brasileiro
Um dos temas que mais chamou a atenção do público do congresso, segundo Marcelo, foi o nível de complexidade das misturas usadas no país. Durante a palestra, ele apresentou a programação de aplicações de um cliente da Sell Agro e explicou que o custo operacional brasileiro leva os produtores a reunir diversos ingredientes em uma única operação. “Às vezes, você tem uma aplicação com 18 ou 20 ingredientes numa calda”, detalha.
Após a apresentação, vários outros pesquisadores manifestaram interesse em visitar áreas produtivas. “Eles querem vir para cá ver aplicação no algodão. Disseram que não é possível fazer aquele tipo de mistura. Eu falei: é possível”, relata o especialista.
Pontos em que o Brasil está à frente e pontos que ainda precisam avançar
Hilário destaca que o país domina o preparo de calda, mistura e aplicação e aponta áreas que precisam evoluir: “Estamos atrás em product stewardship [gestão responsável de produto] e segurança. O operador conhece pouco da química”.
Ele cita o uso de drones como exemplo dessa diferença: “Existem 35 mil drones no Brasil, mas só 2.600 registrados. Os outros são piratas. A pessoa compra um drone e aplica. Qual é a capacitação? Nenhuma”.
Uso das tecnologias por pequenos produtores
O pesquisador afirmou que a tecnologia de aplicação é relevante também para agricultores de pequeno porte. “Perder 5 hectares pode ser a ruína do negócio”, alerta. Entre as recomendações, destaca a necessidade de cuidados básicos: “Veja se o bico do costal está limpo. Veja se o tanque foi lavado. Um resíduo pode causar fitotoxicidade.”
Para Hilário, a atenção ao processo é determinante. “Aplicação é a chave do sucesso para a sanidade da cultura e para a sanidade do bolso”, finaliza.