A gestão de risco se tornou um dos temas centrais do agronegócio brasileiro, por conta dos eventos climáticos extremos
Foto: Freepik

Resumo da notícia

  • A gestão de riscos se tornou um tema central no agronegócio diante da combinação de clima extremo e volatilidade de preços.
  • Produtores precisam monitorar clima, mercado, solo, logística e mão de obra de forma integrada para tomar decisões mais seguras.
  • Conhecimento técnico e mecanismos de transferência de risco, como seguro rural e Proagro, são considerados essenciais nesse processo.
  • Gargalos como instabilidade no orçamento do seguro, validação do CAR e desafios logísticos dificultam a mitigação de riscos no país.
  • O projeto AGIR está desenvolvendo o primeiro Índice Nacional de Riscos do Agronegócio, que pretende medir periodicamente as principais ameaças ao setor.

A gestão de riscos se tornou um dos temas centrais do agronegócio brasileiro. O setor enfrenta um momento de grande instabilidade, no qual a frequência de eventos climáticos extremos tem gerado perdas na produção agrícola, e a volatilidade no mercado global de commodities pressiona as margens de lucro das safras.

Nesse ambiente de incertezas crescentes, os produtores precisam tomar decisões cada vez mais cuidadosas e lidar com fatores que afetam diretamente produtividade, custos e planejamento

Para ajudar a compreender esse cenário, pesquisadores da Fealq/Esalq, com apoio do Banco Mundial, do Ministério da Agricultura (Mapa) e da Universidade Federal do Paraná (UFPR), estão realizando uma pesquisa nacional que busca identificar quais riscos têm maior peso no cotidiano do campo

Um dos envolvidos na pesquisa é Gilson Martins, professor da UFPR, que, em entrevista exclusiva à reportagem do Broto Notícias, apontou que gerir riscos hoje é parte essencial da atividade agrícola, exigindo do produtor conhecimento, organização e preparo para enfrentar situações que mudam rapidamente.

“O produtor passa o dia inteiro pensando no que pode provocar perdas. Ele olha o clima, acompanha a cotação, avalia a área ambiental, observa o solo, pensa na mão de obra. A atividade é permeada de riscos, e isso precisa ser tratado de forma estruturada”, destaca o docente. 

Projeto AGIR

A pesquisa, que foi estruturada pelas entidades, está incluída dentro do Projeto AGIR (Agro Gestão Integrada de Riscos), cujos resultados subsidiarão o desenvolvimento de políticas públicas para melhorar a agricultura nacional.

As perguntas levam cerca de cinco minutos para serem respondidas e estão disponíveis até 15 de dezembro. A pesquisa é aberta a produtores, cooperativas, técnicos, seguradoras, agentes financeiros e instituições públicas. Para participar, acesse este formulário.

Ao final do prazo e da organização dos dados, os participantes poderão receber o relatório final com os resultados. “Vamos devolver o estudo a quem participar. O produtor vai poder usar essas informações para planejar melhor, decidir quanto investir, avaliar se contrata seguro e entender o perfil de risco da sua região”, explica o professor.

Além de devolver os resultados aos participantes, a segunda etapa do projeto AGIR pretende transformar esse conjunto de ameaças em informação organizada por meio do primeiro Índice Nacional de Riscos do Agronegócio. O índice será estruturado em oito pilares: clima, sanidade, mercado, ambiente de negócios, aspectos ambientais e riscos sociais.

Martins explica que o indicador funcionará como uma leitura periódica das principais preocupações do setor produtivo. “Queremos medir a temperatura dos riscos, como um termômetro. Assim como existe o índice de confiança da indústria, queremos um índice de risco do agro brasileiro”, afirma.

Gilson faz um apelo ao setor: “precisamos ampliar ao máximo a participação na pesquisa. Quanto mais respostas tivermos, mais preciso será o índice e mais útil será para orientar políticas públicas e estratégias de proteção.”

Rotina no campo virou um exercício permanente de gestão de riscos

O monitoramento constante faz parte da rotina rural. A primeira informação observada é quase sempre o clima. Em seguida, vêm os preços dos produtos, a condição da propriedade, o manejo do solo e a disponibilidade de trabalhadores. Martins explica que nenhum desses fatores pode ser analisado isoladamente. “A primeira coisa que ele faz é olhar o clima. Depois checa o preço da soja, do milho etc. Em seguida pensa no solo, na mão de obra, nos custos. Não existe uma única fonte de risco no agro; são muitas ao mesmo tempo”, afirma.

Segundo o docente, embora o clima seja um risco permanente, ele não é necessariamente o mais importante em todas as situações. Em diferentes momentos, preocupações sanitárias, logísticas ou de mercado podem assumir protagonismo. Eventos como geadas, secas prolongadas, granizo e tempestades se alternam com oscilações de preços e dificuldades operacionais, o que eleva a complexidade do ambiente.

Produtor como empreendedor

Martins ressalta que a gestão de riscos começa ao reconhecer a natureza empreendedora da atividade agrícola. “O produtor rural é um dos maiores tomadores de risco da economia brasileira. Ele investe R$ 300 mil, R$ 500 mil, às vezes milhões, num ambiente que depende do clima, do mercado e de fatores que ele não controla. Não é qualquer empreendedor que enfrenta esse cenário”, observa.

O primeiro mecanismo de proteção é o domínio técnico da própria atividade. “Conhecimento é a maior e mais importante ferramenta de gestão de riscos. O produtor precisa conhecer o solo, manejar corretamente, planejar, usar insumos no momento certo. Especialmente para pequenos produtores, isso faz toda a diferença”, explica. 

Para riscos que não estão sob controle do agricultor, como clima e oscilações de preços, Martins reforça que a proteção passa por mecanismos de transferência de risco, como seguros rurais e o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro)

“Em clima e mercado, a saída é a transferência de risco. Não tem como enfrentar seca, granizo ou queda de preços sem proteção. A recomendação é colocar a semente no solo sempre segurado”, completa.

Gargalos que dificultam a mitigação de riscos no país

Mesmo com a conscientização crescente sobre o tema, a mitigação de riscos no Brasil ainda enfrenta obstáculos relevantes. A instabilidade no orçamento do seguro rural é um deles. “O programa existe, mas o recurso precisa ser estável. Sem previsibilidade, o produtor não consegue planejar”, diz o professor.

Outros gargalos estão relacionados a burocracias e limitações estruturais, como a dificuldade de validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR). “Muitos estados não têm estrutura para validar. Isso trava licenciamentos e gera insegurança jurídica”, explica. Há desafios também no campo logístico e na disponibilidade de mão de obra em determinadas regiões, o que amplia o nível de incerteza para o produtor.