
Resumo da notícia
- A logística segue como principal gargalo do agro fora da porteira, com forte dependência do transporte rodoviário e infraestrutura limitada.
- Mais de 70% das cargas no Brasil dependem de caminhões, o que eleva custos, emissões e reduz competitividade.
- Falta de integração entre rodovias, ferrovias, hidrovias e portos limita o escoamento do crescimento da produção agrícola.
- A insuficiência de armazenagem obriga produtores a vender na colheita, pressionando preços e margens.
- Segurança jurídica e políticas de longo prazo são apontadas como essenciais para atrair investimentos privados em logística e estocagem.
Apesar de avanços nos últimos anos, a infraestrutura logística permanece como principal gargalo para o agronegócio no raio fora da porteira. Rodovias em condições deficitárias, poucos quilômetros efetivamente disponíveis de malha ferroviária e de trechos hidroviários (dada à dimensão do Brasil)e portos saturados ainda compõem o retrato mais fiel da matriz de transporte nacional.
Soma-se ainda o fato de que mais de 70% das cargas do país dependem de caminhões, o que encarece o frete, aumenta as emissões de gases de efeito estufa e gera custos anuais de R$ 226 bilhões – conforme levantamento elaborado pelo Movimento Brasil Competitivo (MBC), em parceria com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e com apoio técnico da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Segundo o estudo, os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que equilibram melhor o uso dos modais reduzem seus custos logísticos em até 20% – realidade ainda distante do Brasil. “Continuamos excessivamente dependentes do modal rodoviário, que é caro e suscetível a variações de combustível e manutenção”, afirma José Loschi, CEO e fundador da SRX Holdings.
Outra pesquisa, esta da Confederação Nacional da Indústria (CNI), aponta o custo do transporte internacional como o maior entrave logístico do setor produtivo, apontado por 58,2% dos empresários consultados. Na sequência, aparecem a ineficiência dos portos para manuseio e embarque das cargas (48,5%); limitações de rotas de navegação marítima, de espaço ou de contêineres (47,7%); elevadas tarifas cobradas pelos portos (46,2%); e volatilidade da taxa de câmbio (41,8%) – o primeiro dos problemas não relacionado à logística.
Larry Carvalho, advogado especialista em logística, direito marítimo e agronegócios, assinala que a produção agropecuária brasileira cresceu num ritmo mais acelerado do que a capacidade do país de escoar e armazenar a safra com previsibilidade. “Tivemos avanços importantes, e a consolidação do Arco Norte como rota de exportação é um dos mais relevantes, mas em muitos pontos seguimos operando no limite: dependência elevada do rodoviário em trechos longos, acessos que não acompanharam o volume, filas sazonais, aumento de custo de frete no momento mais sensível do calendário e, por vezes, uma integração ainda incompleta entre rodovia, ferrovia, hidrovia e porto”, discorre.
Luiz Fernando Ferreira, sócio-fundador da Macroinfra, observa que, tomando como exemplo somente a soja e o milho em grãos, o crescimento das exportações de 2015 até o ano passado foi superior a 70 milhões de toneladas. “Um incremento de demanda muito superior à expansão da capacidade da infraestrutura logística de transporte no país”, alerta.
Loschi avalia que o caminho para se destravar investimentos em infraestrutura logística passa obrigatoriamente pela segurança jurídica para atrair capital privado. “O Estado não tem capacidade de investimento para resolver isso sozinho. Precisamos fortalecer as (Parcerias Público-Privadas PPPs) e, principalmente, conectar o mercado de capitais à infraestrutura”, afirma.
“Instrumentos como os Fiagros e Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) mostram que a Faria Lima quer investir no campo. Quando damos previsibilidade regulatória, o dinheiro privado flui para construção de armazéns, terminais e ferrovias. O agro precisa ser visto pelo investidor não apenas como commodity, mas como um ativo de infraestrutura rentável”, acrescenta Loschi.
De acordo com Carvalho, o investidor não foge de desafio técnico; foge de insegurança regulatória, de mudança de regra no meio do jogo e de modelagens que não se sustentam na prática.
Nesta agenda, Ferreira registra que o novo Plano Nacional de Logística já apresenta um horizonte de planejamento de 25 anos: “O estabelecimento de uma política pública de longo prazo – com uma articulação de cooperação entre o governo e os diferentes setores envolvidos no desenvolvimento da infraestrutura de transportes e com segurança jurídica e institucional – se mostra um passo importante para destravar os investimentos no segmento”.
Armazenagem
Além do transporte, a armazenagem é outro desafio logístico para o agro. A safra brasileira de grãos continua avançando em ritmo acelerado e já ultrapassa 320 milhões de toneladas, com expectativa de um novo recorde no ciclo 2025/26. Esse crescimento, porém, não vem sendo acompanhado na mesma velocidade pela infraestrutura de estocagem.
Dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) revelam que a capacidade estática do país fica entre 200 e 230 milhões de toneladas, o que permite guardar cerca de 2/3 da produção anual. Esse descompasso acaba influenciando diretamente a dinâmica do mercado físico e a formação de preços para o produtor.
Para Yedda Monteiro, analista de inteligência e estratégia da Biond Agro, a armazenagem vai além da questão estrutural. “A armazenagem não é apenas infraestrutura física. Ela representa tempo de decisão, e tempo é o ativo mais valioso no mercado de grãos. Quando a oferta entra de forma simultânea no sistema, quem não consegue esperar acaba vendendo sob pressão”, explica.
Carvalho acentua, ainda, que a armazenagem é, na prática, liberdade comercial. “Quando falta capacidade, o produtor fica mais exposto ao pico de oferta da colheita, vende pressionado, aceita base pior e, muitas vezes, absorve um frete mais caro e mais instável porque não consegue escolher a melhor janela. A perda aparece como margem que escorre, não como um item evidente na planilha“, detalha.
Loschi enxerga a questão da armazenagem como o desafio mais crítico e estratégico na esfera logística. “O déficit de armazenagem tira o poder de negociação da mão do produtor. Sem silo, ele vira refém da colheita: precisa colher e vender imediatamente (da colheitadeira para o caminhão), muitas vezes no momento de maior oferta e menor preço, pagando fretes inflacionados. Quem não armazena, não faz gestão comercial, apenas despacha produto”, conclui.
Recomendações
Os especialistas consultados pela reportagem do Broto Notícias listam recomendações para que o produtor possa proteger a margem do seu negócio diante dos desafios de infraestrutura logística. Confira:
- Agricultor precisa deixar de ser apenas um “produtor de safra” para ser um “gestor de ativos”;
- Proteção de preço (hedge): não dá para contar com a sorte. É vital utilizar ferramentas de travamento de preço (hedge) em bolsa ou contratos a termo para garantir, pelo menos, o custo de produção e uma margem mínima. Isso blinda o negócio contra a volatilidade logística e cambial;
- Estratégia associativa: sozinho, o frete é caro e o insumo é alto. Compras coletivas e pools de venda via cooperativas ou grupos de produtores aumentam o poder de barganha;
- Investimento dentro da porteira: se não for possível ter um silo próprio, buscar parcerias com armazéns gerais confiáveis ou condomínios de armazenagem. A meta deve ser sempre reter o produto para fugir do gargalo da safra;
- Qualidade contratual e governança operacional: contratos de frete, armazenagem e venda precisam prever de forma objetiva prazos, responsabilidades por filas e atrasos, tolerâncias de qualidade, documentação e alocação de risco. Em anos de corredor congestionado, um bom contrato não é formalismo; é margem protegida.