
O dia começa cedo, antes de o sol nascer. Um olho na produção e outro no mercado: estoques, safras, taxas, câmbio. Do outro lado dos números, surgem decisões práticas, imperativas e diárias, como o controle de qualidade da produção leiteira, aplicação de vacinas, escolha da ração adequada e estratégias para tornar o manejo da água mais sustentável. Tudo isso acontece enquanto os contemporâneos ainda estão voltando da balada. Uns se deitam, enquanto outros já estão de pé antes do dia raiar. “Em algum lugar, já são cinco da tarde”, justificam os herdeiros para dar sequência à festa da noite anterior.
A semelhança é que o tempo passa igualzinho para todos – herdeiros ou sucessores. A diferença é o que cada um faz com o próprio tempo.
O resultado do desinteresse na pecuária intensiva, aquela responsável por fornecer leite, queijo e iogurtes na mesa dos brasileiros não-veganos, é alarmante. Em 2022, houve uma redução de 5% na produção do leite industrializado no Brasil. Isso significa uma redução de quase 1 bilhão de litros em relação ao ano anterior, de acordo com o estudo da cientista social Rosana de Oliveira Pithan e Silva, do Instituto de Economia Agrícola (IEA), da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA).
Consequência: as importações cresceram em 26,3%, o que representa 10% do total lácteo consumido internamente. Segundo a pesquisadora, o abandono da atividade e a concentração da produção, que até então baseava-se na agricultura familiar, é um fator crescente no Brasil. Rosana garante que essa é uma tendência mundial e é uma estratégia de busca por maior eficiência, com redução de custos e incremento na rentabilidade.
Dados divulgados em novembro de 2024 pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), apontam que a produção de leite na Nova Zelândia, atualmente maior produtor mundial, está estagnada. O mesmo ocorre na União Europeia e na Índia, enquanto em países da América Latina o crescimento tem sido pequeno nos últimos anos. Apenas nos Estados Unidos houve aumento no mesmo período.
Ainda assim, a pecuária intensiva é um dos setores mais promissores do agro. O Brasil possui imensa área, tecnologia e uma matéria-prima de excelente qualidade. No entanto, a sucessão familiar no setor enfrenta desafios e os herdeiros/sucessores precisam enxergar as oportunidades que a modernização oferece.
A automação surge como chave para transformar dores históricas em um futuro de eficiência e rentabilidade. Dentre os desafios, estão o custo e a escassez de mão de obra.
O manejo do gado leiteiro exige rotina rígida e pontual, além de profissionais capacitados, o que torna a escassez de mão de obra qualificada um fator que eleva custos e dificulta a continuidade da produção. Outro ponto é a saúde e o bem-estar animal. Mantê-los saudáveis e livres de estresse é uma tarefa diária, pois doenças como mastite, baixa taxa de fertilidade e problemas podais afetam diretamente a produtividade.
O controle de qualidade e a segurança alimentar também são críticos. A contaminação do leite, seja por falhas no manejo, higiene inadequada ou variações na alimentação, impacta o produto final e pode comprometer parcerias com grandes laticínios.
Além disso, a sustentabilidade e a pressão ambiental são preocupações cada vez mais evidentes. É imperativo reduzir o impacto ambiental, melhorar a gestão de resíduos e adotar práticas mais sustentáveis na produção.
Por fim, a gestão e a rentabilidade representam grandes desafios. Operações realizadas de forma empírica, sem dados precisos para embasar as decisões, comprometem a eficiência e reduzem as margens de lucro.
A automação surge como solução para elevar a produção a um novo patamar de eficiência e lucratividade. Ela não apenas reduz custos e minimiza erros, mas também garante maior previsibilidade na produção.
A ordenha robótica elimina a necessidade de ordenadores e garante a extração precisa do leite, minimizando riscos de mastite e maximizando a produtividade.
Os sensores de saúde animal são outra inovação importante. Esses dispositivos, acoplados às vacas, monitoram temperatura, ruminação e permitem a detecção precoce de doenças, otimizando o manejo reprodutivo.
A alimentação automatizada também traz benefícios significativos. Sistemas específicos distribuem a dieta na quantidade e no horário ideais, garantindo uma nutrição balanceada e reduzindo desperdícios.
Além disso, tecnologias, como biodigestores, transformam dejetos em biogás e fertilizantes com redução no impacto ambiental.
O futuro da pecuária leiteira está nas mãos de quem souber aliar tradição à inovação. Os herdeiros têm a oportunidade de transformar diferenciais históricos em cifras. Sucessores têm na palma da mão a chave da transformação social, não só de centenas de famílias, mas da qualidade nutricional de centenas de milhões de consumidores.
José Evaldo Gonçalo
José Evaldo Gonçalo é CEO do Broto S.A., empresa do Banco do Brasil e da BB Seguros. Possui vasta experiência na gestão pública: foi Secretário Executivo do Ministério da Pesca e Aquicultura e exerceu diversos outros cargos de direção. Autor de livros como “Modelo de Gestão para Automação de Centros Integrados de Mobilidade” e “Reforma Agrária como Política Social Redistributiva”. É Doutor em Ciências (Automação e Engenharia Elétrica) pela Escola Politécnica da USP, Mestre em Política Social pela UnB, Especialista em Política Pública e Governo pela UFRJ e Engenheiro Agrônomo pela UFV.