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Avicultura brasileira vive momento estratégico, mas precisa avançar em logística e autonomia

Alta demanda global e crise de concorrentes favorecem Brasil, mas especialistas alertam para riscos de perder espaço sem melhorias estruturais

Imagem ilustra a avicultura brasileira, que apesar de possuir números robustos, precisa entender que escala da produção nacional poderia avançar com a superação de entraves internos
Foto: Martin Jaroš/Unsplash

O Brasil é o maior exportador de carne de frango do mundo, abastecendo mais de 150 países, e um dos maiores produtores globais da proteína animal, com os Estados Unidos e a China. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foram abatidos 6,46 bilhões de cabeças de frangos sob algum tipo de inspeção sanitária no ano passado, alta de 2,7% em relação a 2023 — um novo recorde desde o início da série histórica, em 1997.

A produção de ovos também foi recorde: o Brasil produziu 4,67 bilhões de dúzias em 2024, crescimento anual de 10%.

Para 2025, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) estima que a produção global de carne de frango atinja 105,8 milhões de toneladas, com exportações de 14 milhões de toneladas — das quais 5,09 milhões devem ser brasileiras.

Mesmo diante desses números robustos, é preciso entender que a escala brasileira de produção poderia ser ainda maior, se não fosse por uma série de entraves internos, que limitam o desempenho da cadeia produtiva — desde os custos com insumos até os gargalos logísticos que afetam o transporte da proteína até os portos e centros consumidores.

Gargalos e desafios logísticos da avicultura

O caminho percorrido pelo frango até chegar à mesa do consumidor é complexo e altamente tecnológico, envolvendo ciência, cuidados sanitários rigorosos e práticas sustentáveis. No entanto, um dos maiores entraves se encontra na logística de transporte e entrega destes animais.

“A partir do momento que estamos falando de proteína animal, de um produto de valor agregado, o tempo até a gôndola é essencial”, explica o zootecnista e especialista em inovação Paulo Renato Parreira.

Segundo ele, o Brasil adotou o modal rodoviário como principal meio de escoamento, o que aumenta custos e riscos operacionais. “Temos uma dependência enorme da BR-116 e da BR-101. Se acontece um acidente grave, não há rota alternativa”, alertou.

O especialista explica que, diante dos desafios impostos, os produtores acabam se adaptando a este problema, que foge do controle deles, e passam a focar no que é possível, investindo em tecnologia para mitigar parte dos problemas — como o uso de inteligência artificial para otimizar rotas.

“Seja com inteligência artificial para planejar rotas, seja com treinamento dos motoristas ou adoção de veículos mais eficientes, inclusive híbridos ou elétricos para transporte urbano. O foco é atuar sobre aquilo que está sob controle da empresa”, afirma Parreira.

Alta dos preços e custos da alimentação

Mesmo com a alta de preços do frango vivo em março — média de 3,37% na primeira quinzena de 2025 —, o poder de compra do avicultor paulista caiu frente ao milho, segundo o Cepea-Esalq/USP. O farelo de soja, por outro lado, teve melhora na relação de troca para o produtor. Ainda assim, a pressão sobre os custos persiste.

“A alimentação animal corresponde, habitualmente, a 70% do custo final da produção”, explica Parreira. Uma vez que alimentação das aves é composta principalmente de milho e farelo de soja, os produtores ficam reféns das volatilidades do mercado, seja pela questão cambial de estar atrelado ao dólar, quanto pelos fatores geopolíticos.

O sistema de integração, no qual grandes empresas fornecem insumos e tecnologia, enquanto o produtor entra com infraestrutura e manejo, ajuda a mitigar riscos. “A integradora fornece o pintinho, a ração, a tecnologia. Mas todo o sistema sente os impactos da variação nos preços internacionais e da energia”, explica.

A produção intensiva exige uma climatização rigorosa. “É preciso controlar luz, temperatura e ventilação. É quase uma fábrica de proteínas. Isso demanda energia, tecnologia e mão de obra qualificada”, completa.

Sanidade como diferencial competitivo

O Brasil se destaca também por estar livre da gripe aviária, o que tem ampliado sua competitividade internacional, especialmente em meio à disseminação da doença nos Estados Unidos e Europa. “O controle sanitário é muito forte e isso se deve ao papel do Ministério da Agricultura, da Embrapa, da fiscalização estadual e, principalmente, ao comprometimento dos produtores”, diz Parreira.

O especialista também destaca o papel do Vigiagro nos aeroportos e fronteiras. “A fiscalização é rigorosa. Um alimento contaminado pode comprometer toda a cadeia. É uma vigilância constante.”

Exportações em alta e oportunidades externas

Esse diferencial sanitário abriu novas oportunidades ao Brasil. Em março, as exportações brasileiras de ovos tiveram aumento anual de 342,2%, segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). Além disso, a tensão comercial entre os EUA e a China vem beneficiando o Brasil, que tem ampliado sua presença em mercados antes dominados pelos norte-americanos.

A DATAGRO aponta que países como Japão, África do Sul, Filipinas, Iraque e Coreia do Sul, todos grandes compradores do frango brasileiro, foram impactados pelas novas tarifas impostas pelos EUA — com alíquotas que variam de 17% a 39%. Já a China, maior cliente do Brasil, elevou para 101% sua tarifa sobre a carne de frango dos EUA, favorecendo ainda mais os embarques brasileiros.

Mas Parreira alerta: “Temos que aproveitar essas brechas, sim, mas sem ilusões. É uma crise de governo, não de Estado. Em algum momento, os EUA vão se reestruturar e retomar o protagonismo.”

Segundo ele, o momento é propício para o Brasil resolver gargalos internos, como a dependência de fertilizantes importados e os altos custos logísticos e energéticos. “Às vezes, essas oportunidades passam e a gente vira passageiro. E continua refém de movimentos externos.”

Apoio ao produtor rural

Nós, do Broto, plataforma digital do Banco do Brasil, temos atuado para apoiar o produtor rural com soluções tecnológicas e de capacitação. Uma das frentes de atuação é a criação do Clube Broto, que será lançado durante a Agrishow.

A ideia é facilitar o acesso do produtor a tecnologias que melhorem sua gestão, desde a ambiência na granja até o controle de máquinas. Também estamos trazendo cursos gratuitos que ajudam o produtor a tomar melhores decisões de manejo, financiamento e proteção.

Além disso, estamos cada vez mais focados no uso de inteligência de dados como ferramenta para melhorar a gestão de riscos, inclusive na análise de crédito e contratação de seguros.