O anúncio de tarifas adicionais de até 50% sobre as importações brasileiras, feito pelo presidente norte-americano Donald Trump no começo do mês, acendeu o sinal de alerta no setor agropecuário nacional. Entretanto, as recentes taxas devem impactar mais os Estados Unidos do que o Brasil. É o que aponta análise da consultoria DATAGRO, que vê maior resiliência da pecuária brasileira diante do novo quadro comercial.
De um lado, o Brasil possui maior capacidade logística e comercial para redirecionar sua produção de carne bovina a outros mercados. Do outro, os EUA enfrentam uma dependência estrutural de cortes brasileiros utilizados na produção de ground beef, como os chamados beef trimmings — resíduos de cortes primários que compõem a base da carne moída consumida internamente.
“Apesar da penalização evidente à pecuária brasileira, o quadro global sugere que a capacidade de redirecionamento de cargas brasileiras é substancialmente superior à capacidade dos EUA de originar cortes previamente importados do Brasil em outros mercados, tanto em termos de volume quanto de preço”, afirma a consultoria.
Dependência estrutural norte-americana
Entre janeiro e junho de 2025, o Brasil exportou mais de 220 mil toneladas de carne bovina para os EUA, o equivalente a 12,4% do volume líquido exportado no período.
Grande parte dos embarques brasileiros aos EUA é composta pelos chamados beef trimmings — cortes residuais obtidos após o desossa das peças principais, essenciais para a produção de ground beef no mercado norte-americano. Os trimmings são um dos cortes favoritos para fazer hambúrguer, respondem por quase metade do consumo per capita de carne bovina pelos norte-americanos.
Enquanto isso, a produção doméstica americana desta proteína é limitada, uma vez que depende do abate de fêmeas bovinas de baixa qualidade — cada vez mais escassas — e da gordura de animais pesados, acima de 26 arrobas (cerca de 390 kg de carcaça). Isso torna o fornecimento brasileiro um pilar estratégico para o abastecimento interno.
Com a aplicação das novas tarifas, a carne brasileira deve ficar pelo menos 20% mais cara em relação ao preço de atacado nos EUA, dificultando a continuidade das importações. Ainda assim, nenhum outro fornecedor global consegue competir com o Brasil em escala e preço, o que pode estreitar essa diferença ao longo do tempo — seja por escassez de oferta, seja por reajustes no mercado americano.
Sebo bovino e biodiesel
Outro elo vulnerável da cadeia é o mercado de sebo bovino. O produto representa mais de 90% das exportações brasileiras de óleos e gorduras animais, e ganhou relevância nos últimos anos com o avanço dos abates e da produção de biodiesel.
Segundo a DATAGRO, enquanto em 2020 menos de 1,5% do sebo bovino nacional era exportado, esse volume saltou para mais de 26% em 2024 — sendo os EUA os principais compradores.
No primeiro semestre do ano, os americanos absorveram cerca de 90% das exportações brasileiras, o que significa que cerca de um terço da produção total teve como destino o mercado norte-americano. A concentração aumenta a vulnerabilidade do setor diante da nova barreira comercial.
“Na prática, por volta de 1/3 de toda a produção brasileira de sebo bovino tem como destino o mercado norte-americano”, aponta a consultoria.
Um dos caminhos encontrados é a expansão dos abates e a alta da demanda por biodiesel. Com a alta da concentração na mistura obrigatória de biodiesel de 14% para 15% no mercado brasileiro prevista para agosto, deve gerar uma demanda adicional de 640 mil m³ do biocombustível por ano. Isso pode absorver cerca de 580 mil m³ de matéria-prima, incluindo o sebo bovino que hoje abastece o mercado externo.
Ou seja, a demanda doméstica pode mitigar parte dos efeitos do novo tarifaço sobre as exportações de gorduras animais.
E o Brasil?
A DATAGRO projeta que, no curto prazo, as exportações brasileiras terão impacto de cerca de 4%, refletindo no volume total de produção nacional. Por outro lado, o bloqueio pode abrir oportunidades em outros mercados, que também enfrentam limitações na oferta global de carne bovina. Além disso, o impacto sobre o sistema de abastecimento norte-americano pode forçar os Estados Unidos a rever sua estratégia comercial e a diversificar suas fontes de importação. Nesse contexto, o Brasil — pela sua competitividade e capacidade produtiva — tende a recuperar espaço no médio prazo, desde que não haja uma escalada nas tensões comerciais.