
A carne sempre foi protagonista nos pratos brasileiros e, porque não dizer, também da economia do país? O Brasil é um dos maiores exportadores de carne bovina do mundo, e a pecuária tradicional é uma das bases do agronegócio nacional. Mas, diante dos avanços tecnológicos e das pressões ambientais, uma alternativa promissora surgiu: a carne cultivada, também conhecida como carne sintética ou carne do futuro.
A carne cultivada chegou para transformar significativamente a forma como produzimos e consumimos proteína animal. A grande questão é: carne cultivada e pecuária tradicional são concorrentes ou podem coexistir como soluções complementares no futuro da alimentação? Este artigo vai destrinchar o tema, comparando os dois modelos e destacando os impactos econômicos, sociais e ambientais.
O que é carne cultivada e como é produzida
A carne cultivada é um produto feito a partir de células animais reais.Tudo começa com a coleta de células-tronco de um animal vivo, geralmente por meio de uma biópsia indolor. Essas células são então cultivadas em um biorreator, onde recebem nutrientes como aminoácidos, açúcares, vitaminas e sais minerais para se multiplicarem e formarem tecidos musculares, ou seja, carne.
Essa inovação biotecnológica permite a produção de carne com as mesmas características sensoriais (sabor, textura e aparência) da carne convencional, mas com uma pegada ambiental potencialmente muito menor.
Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), mais de 20 empresas no mundo estão atualmente trabalhando com carne cultivada. Países como Singapura já aprovaram sua comercialização, e outros, como Estados Unidos e Israel, estão em estágio avançado de regulamentação.
Quais as vantagens e desvantagens da carne cultivada
A promessa da carne cultivada vai muito além da tecnologia de ponta. Ela traz consigo argumentos de peso quando o assunto é sustentabilidade na pecuária e bem-estar animal.
Vantagens:
- Menor impacto ambiental: estudos da Universidade de Oxford indicam que a carne cultivada pode emitir até 96% menos gases de efeito estufa que a carne bovina convencional.
- Uso reduzido de água e terra: estima-se que o cultivo celular usa até 90% menos água e terra.
- Sem abate animal: uma das grandes bandeiras da carne cultivada é eliminar o sofrimento animal na produção de alimentos.
- Segurança alimentar: a produção em ambiente controlado reduz o risco de contaminações por patógenos como Salmonella ou E. coli.
Desvantagens:
- Custo elevado: embora esteja caindo ano a ano, o preço da carne cultivada ainda é alto. Em 2013, um hambúrguer cultivado custava US$ 330 mil. Hoje, pode ser produzido por cerca de US$ 10, mas ainda sem escala comercial ampla.
- Aceitação do consumidor: muitos consumidores ainda veem a carne cultivada como algo “artificial” ou “não natural”.
- Regulação e legislação: em muitos países, ainda não há leis claras que regulem sua produção e venda.
Pecuária tradicional: desafios e evolução
A pecuária tradicional é um dos pilares do agronegócio brasileiro. Para se ter ideia, o país possui o maior rebanho bovino comercial do mundo e, em termos de exportação, o Brasil é líder global. Porém, a pecuária enfrenta desafios significativos:
- Pressão ambiental: a atividade é frequentemente associada ao desmatamento, especialmente na Amazônia Legal.
- Emissões de metano: os bovinos são responsáveis por cerca de 20% das emissões globais de metano, um gás de efeito estufa muito potente.
- Bem-estar animal: a produção em larga escala muitas vezes entra em conflito com práticas sustentáveis de manejo e bem-estar animal.
Por outro lado, o setor vem evoluindo. A chamada pecuária de baixa emissão de carbono, o uso de Integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) e práticas de manejo regenerativo estão ganhando espaço e mostrando ser possível produzir carne com responsabilidade.
Concorrência ou complemento?
Afinal, a carne cultivada e a pecuária tradicional estão em rota de colisão ou podem caminhar juntas?
Especialistas acreditam que, pelo menos nas próximas décadas, não haverá substituição total, mas sim complementaridade. A carne cultivada pode atender nichos de mercado, consumidores urbanos, veganos flexíveis, mercados com restrição territorial para produção pecuária, entre outros.
O papel da sustentabilidade no debate
A sustentabilidade é, sem dúvida, o centro da discussão. Com o crescimento da população global e a demanda crescente por proteína animal, encontrar maneiras de produzir carne de forma mais eficiente e limpa é urgente.
Ambas as abordagens — carne cultivada e pecuária tradicional sustentável — podem colaborar para reduzir os impactos ambientais e oferecer opções mais éticas e conscientes ao consumidor.
O que dizem os especialistas do agro
Pesquisadores da Embrapa defendem que a tecnologia não precisa ser vista como inimiga, mas sim como uma aliada. Muitos profissionais da área acreditam que o futuro da produção animal será híbrido, combinando modelos convencionais com novas abordagens tecnológicas. Melhorar a produtividade, reduzir impactos ambientais e diversificar fontes de proteína são caminhos complementares.
Nesse contexto, a carne cultivada surge não como substituta imediata, mas como mais uma opção viável para atender à crescente demanda global por alimentos de forma mais sustentável.
Já representantes do setor produtivo destacam que a carne cultivada ainda não tem escala e os desafios de segurança alimentar em países em desenvolvimento ainda exigem soluções baseadas na pecuária tradicional.
O futuro do consumo de carne no Brasil
O Brasil é um dos países que mais consomem carne bovina no mundo. Segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (ABIEC), o consumo interno foi de cerca de 36 kg por habitante em 2022.
No entanto, as tendências estão mudando. A nova geração de consumidores, mais preocupada com o meio ambiente e o bem-estar animal, já começa a buscar alternativas. O consumo de proteínas vegetais e produtos alternativos cresce em ritmo acelerado, e a carne cultivada pode ser o próximo passo.
Com sua força no agronegócio, capacidade tecnológica e biodiversidade, o Brasil tem tudo para ser um líder também na produção de carne do futuro, seja pela modernização da pecuária tradicional ou pela inovação da carne cultivada.
Por fim, a escolha entre carne cultivada e pecuária tradicional não precisa ser binária. Em vez de rivalizar, os dois modelos podem se complementar para atender a diferentes demandas, melhorar a sustentabilidade na produção de carne e garantir a segurança alimentar nas próximas décadas.
O futuro da alimentação pode ser híbrido, tecnológico e mais consciente, e o Brasil, com sua experiência e capacidade produtiva, pode ocupar um papel central nessa transformação.
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