O setor do mel segue com taxas dos Estados Unidos, o que motiva muitos apicultores a estudarem maneiras de elevar o consumo no Brasil
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Resumo da notícia

  • O mel brasileiro segue sobretaxado pelos EUA, diferentemente de outros produtos agropecuários, como café e carne bovina, que receberam isenção. 
  • A Confederação Brasileira de Apicultura busca aumentar o consumo interno e substituir preparados de mel por mel natural na indústria alimentícia.
  • Cooperativas enfrentam dificuldades de capital de giro e buscam alternativas à dependência do mercado norte-americano.
  • De janeiro a outubro, o mel rendeu US$ 102,9 milhões em exportações, com EUA representando 85,1% do total.
  • O Governo Brasieiro estuda novas medidas; a Conab já liberou até R$ 30 milhões para apoio emergencial à formação de estoques.

No fim de novembro, o Governo Federal anunciou a redução das tarifas comerciais de 40% impostas pelos Estados Unidos para vários produtos brasileiros, após uma longa negociação com o governo de Donald Trump. Na ocasião, diversos setores do agronegócio brasileiro voltaram a respirar aliviados, como foi o caso do café e da carne bovina. Porém, outros mercados não tiveram a mesma sorte e ainda estão sobretaxados pelo governo dos EUA, tais quais a apicultura e meliponicultura.

“De toda a nossa produção nacional de mel, 80% é exportada e, do total produzido, 60% vai para os Estados Unidos”, explica Sérgio Farias, presidente da Confederação Brasileira de Apicultura (CBA) e dada Câmara Setorial do Mel do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).

Os números da CBA demonstram o tamanho da preocupação que produtores e exportadores de mel têm enfrentado nos últimos meses, desde o anúncio do tarifaço americano. “No momento, estamos cumprindo contratos anteriores às novas taxas, mas nossa preocupação é em janeiro, com novos contratos e uma possível desvalorização do mel”, afirma o presidente da confederação.

Diante desse cenário de incertezas, o setor está buscando ampliar sua presença no mercado interno. Segundo Farias, uma das frentes da entidade para aumentar a competitividade no mercado nacional é a busca por substituir, na produção industrial, o consumo do preparado de mel – xarope de açúcar aromatizado artificialmente – pelo mel natural.

“Muitas indústrias alimentícias usam o preparado de mel como um estabilizante para os seus produtos. Um exemplo é o iogurte. Queremos brigar na justiça para proibir o seu uso, pois trata-se de um produto químico cheio de conservantes”, defende Farias. O presidente da CBA acredita que o aumento do mel natural como insumo industrial geraria no mínimo uma demanda extra de 15 mil toneladas.

“Apesar dos desafios impostos pelo tarifaço, acredito que o setor vai achar soluções. A comunicação entre produtores, exportadores e a confederação tem sido muito produtiva”, conta o líder da entidade.

Os desafios dos exportadores

“Antes das taxas de 50%, tínhamos dois clientes nos EUA que estavam comprando mel desde 2023. No ano passado, vendemos para eles 34 toneladas de méis especiais”, conta o exportador Luciano Fernandes de Souza, membro da Cooperativa dos Apicultores e Agricultores familiares do Norte de Minas (COOPEMAPI), de Bocaiuva (MG).

Souza explica que a COOPEMAPI começou a exportar mel em escala em 2022, e os principais mercados alcançados, além do norte-americano, eram Bélgica, Alemanha, França, Noruega e Kuwait.

Hoje, um dos desafios da cooperativa é lidar com os custos prévios das viagens antes de receber o pagamento pelos embarques do produto. “A Europa tem sido uma boa alternativa [aos EUA], mas o que está nos travando é a falta de capital de giro suficiente para montar as cargas – são mais de 500 toneladas de mel orgânico, mas falta capital porque o cliente paga somente na entrega no porto, e o valor é alto e recorrente”, afirma o cooperado.

No acumulado de janeiro a outubro, segundo dados do sistema ComexStat, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o principal mercado comprador do mel brasileiro foi os Estados Unidos, consumindo 85,1% do total. Os outros maiores importadores do produto são Canadá (7,7%), Alemanha (2,8%), Reino Unido (2,3%), Países Baixos (0,9%) e Bélgica (0,2%).

Quanto ao valor das exportações, o mercado do mel gerou US$ 102,9 milhões no período, um aumento de 31,2% em comparação ao mesmo recorte de 2024. Em volume, foram exportadas nos primeiros 10 meses do ano 30,7 mil toneladas de mel natural (+1,5% ante 2024).

A expectativa de Souza, e de outros membros do setor, é de que as negociações entre os governos avancem sobre o tema do mel brasileiro. “Fizemos uma reunião com o vice-presidente Geraldo Alckmin, apresentamos nossos pontos para ele atender a cadeia apícola. O apicultor e as cooperativas não têm tantos fundos e crédito assim para suportar uma crise como essa, que pode tornar desfavoráveis as exportações para outros lugares, como a Europa”, conta o exportador.

Medidas do Governo Federal em andamento

A expectativa do setor do mel é que, nas próximas semanas, caso as negociações com o governo norte-americano não surtam efeito, o Governo Federal anuncie mais medidas para conter os prejuízos para produtores e exportadores do mel.

“Uma das nossas metas é negociar com o governo formas para aumentar o consumo médio interno do mel, que hoje está em torno de 65 gramas/pessoa/ano. Se conseguirmos subir para 130g, já seria um grande auxílio pro setor”, conta o presidente da CBA.

Além de compras por parte dos governos estaduais para a merenda escolar, por exemplo, o desejo da Confederação é que o poder executivo gere incentivos para que a população brasileira consuma mais do mel nacional, via campanhas de publicidade e estímulos econômicos para o setor, que ajudariam a alcançar números satisfatórios para conter os prejuízos da crise nas exportações.

Na última quarta-feira (3), o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), por meio da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), anunciou um apoio emergencial de até R$ 30 milhões para Apoio à Formação de Estoques (AFE) do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

Entre os produtos escolhidos para a formação de estoques estão: castanha-do-brasil, castanha-de-caju, castanha-de-baru e mel. As cooperativas interessadas em participar deste edital poderão formalizar operações de formação de estoques, mantendo os produtos armazenados por até seis meses, com posterior devolução dos recursos sem cobrança de juros ou correção monetária.

Cada projeto poderá acessar até R$ 1,5 milhão em recursos, observados os critérios da modalidade Apoio à Formação de Estoques. Para organizações que ingressarem pela primeira vez na AFE, o limite será de R$ 500 mil.