A agricultura do futuro está sendo cultivada em uma fazenda de 66 hectares em Jaguariúna, no interior de São Paulo. Ali, o AgNest Farm Lab transformou 25 hectares em um verdadeiro laboratório vivo para validar tecnologias que prometem tornar o agro mais produtivo, rentável e sustentável. Em seu primeiro ciclo completo, o projeto — uma iniciativa conjunta da Embrapa e Banco do Brasil, com gestão operacional da Impactability — colheu mais do que soja: colheu aprendizados, resultados acima da média nacional e dados valiosos para o setor.
Criado com o propósito de ser um hub de inovação aplicada no campo, o AgNest nasceu em 2019 a partir de discussões sobre conectividade rural e agricultura digital. Em 2022, ganhou estrutura institucional com a formação do conselho gestor e a entrada do gestor operacional. Em maio de 2024, começou oficialmente o primeiro ciclo completo com gestão dedicada e validação de soluções em ambiente real.
“O nosso DNA é a validação prática. Tudo aqui acontece com base na operação real de uma fazenda. Somos um laboratório de fazenda que aplica ciência no chão”, resume João Reinaldo Casagrande, sócio da empresa gestora operacional e líder agro do AgNest.
Tecnologia que faz sentido para o produtor
Desde o início, o AgNest se estruturou com base em três pilares: produtividade, rentabilidade e sustentabilidade. A proposta é simples na teoria, mas ambiciosa na prática: testar tecnologias em condições reais, conectando startups, empresas e produtores para acelerar a inovação agrícola.
O modelo integra duas frentes de trabalho. Na primeira, soluções tecnológicas indicadas pelos parceiros fundadores estão sendo implementadas para validação em campo — como a plataforma Sensix (análise por imagens), os bioinsumos da Gênica, o sistema de mapeamento da microbiologia de solo da B4A e o controle biológico de pragas com a Coleagro. Na segunda, a própria equipe do AgNest, formada pelo time do gestor operacional com o suporte da Embrapa, seleciona práticas de manejo para garantir uma boa performance agronômica mesmo diante dos desafios climáticos e estruturais.
“Nosso papel é representar uma fazenda real. As decisões são baseadas em dados, mas também em experiência de campo. Misturamos tecnologia com simplicidade, e isso tem feito a diferença”, diz Casagrande.
Primeiro ciclo: da palha à produtividade acima da média
A primeira safra de soja plantada e colhida pelo AgNest foi desafiadora. Entre novembro de 2024 e março de 2025, a lavoura enfrentou um verão de chuvas irregulares, especialmente em janeiro, o que exigiu um manejo ajustado. O plantio foi feito em semeadura direta na palha, com variedade superprecoce e espaçamento que priorizava o uso posterior da área para milho no inverno. Mesmo com um estande abaixo do ideal (13 plantas/m²), o resultado surpreendeu.
A produtividade média foi de 72 sacas por hectare, acima da média nacional (60 sc/ha) e da média paulista (62 sc/ha), segundo o Rally da Safra 2025. Em algumas áreas, a produção ultrapassou 100 sc/ha. “O resultado veio da soma de decisões bem executadas: palha, raiz, variedade adaptada, manejo eficiente e uso assertivo da tecnologia”, explica Casagrande.
Ferramentas como imagens de satélite, telemetria, gestão climática e inspeções de campo ajudaram na tomada de decisão — inclusive em práticas simples como a vistoria manual e o monitoramento de pragas. O percevejo-marrom foi a principal ameaça da safra, exigindo atenção redobrada.
Inovação com método e propósito
Para organizar a validação das soluções, o AgNest desenvolveu o PASI — Plano de Alocação de Soluções de Inovação. Cada tecnologia a ser validada tem um plano de trabalho detalhado, executado por um squad multidisciplinar composto por membros da startup, do Gestor Operacional e, se necessário, especialistas externos.
“A inovação não pode ser solta. Criamos um processo estruturado para garantir que as soluções sejam testadas de forma justa, eficiente e com métricas claras”, explica Allan Daher, coordenador de inovação do AgNest.
Mas os resultados não vêm apenas da tecnologia em si. Segundo Daher, o diferencial do AgNest é levar em conta a realidade do produtor: o tempo apertado, a dificuldade de acesso a equipamentos e a curva de aprendizado. “Muita tecnologia boa fracassa porque não se encaixa na rotina da fazenda. A gente se preocupa em fazer com que a tecnologia se adapte ao produtor — e não o contrário.”
Desafios enfrentados: da estrutura à escala
No início do projeto, o Agnest enfrentou grandes desafios. Foi necessário realizar o mapeamento do solo, contratar fornecedores, formar a equipe técnica e estruturar os processos de gestão — tudo isso simultaneamente à condução da primeira safra.
Além disso, o AgNest enfrentou obstáculos comuns a pequenos e médios produtores: falta de equipamentos compatíveis com sua escala, baixa oferta de pulverizadores com taxa variável, dificuldade de encontrar mapas de colheita operacionais em máquinas menores. “O AgNest representa mais de 80% das propriedades brasileiras, que são pequenas ou médias. A agricultura digital precisa olhar para essa realidade”, pontua Casagrande.
Segunda safra: milho, sorgo e cobertura biológica
Após o sucesso com a soja, o AgNest iniciou a segunda safra com milho, sorgo e plantas de cobertura inoculadas com microrganismos benéficos. Com apenas 300 mm de chuva acumulados até julho, o manejo sustentável da primeira safra fez a diferença. “Mesmo com baixa pluviosidade, o milho mostrou ótimo enraizamento, boa cobertura e não precisou de herbicidas pós-emergência. O resultado está dentro do que consideramos rentável”, afirma Casagrande.
No caso do sorgo, o desafio foi inesperado: um ataque intenso de pássaros, já que a lavoura se tornou uma das poucas fontes de alimento da região. “É uma variável difícil de controlar, mas faz parte do aprendizado”, comentou.
O que vem pela frente?
Com o primeiro ciclo validado, o AgNest agora avança em três frentes:
- Gestão digital integrada da fazenda, com uso de plataforma única para consolidar dados agronômicos, financeiros, logísticos e operacionais.
- Povoamento das oito verticais de inovação, com novas soluções em áreas como IA, IoT, automação, sensoriamento remoto e bioinsumos.
- Expansão para além da área atual, por meio de parcerias com agricultores e grupos empresariais que queiram aplicar o modelo AgNest em suas propriedades.
Além disso, o projeto começa a atrair atenção internacional. “Estamos sendo procurados por hubs de fora do Brasil que querem tropicalizar soluções vindas do hemisfério norte. O AgNest pode ser o campo de testes para isso”, revela Casagrande.
Selo AgNest e impacto no agro
Nos próximos meses, o AgNest planeja lançar sua primeira rodada de certificações com o selo AgNest, que validará oficialmente as soluções testadas no farm lab. A expectativa é que esse selo sirva como um diferencial para startups e tecnologias que desejam ganhar credibilidade junto ao produtor rural.
“O AgNest é um espaço onde o erro também é bem-vindo, desde que traga aprendizado. Queremos continuar conectando ciência, campo e inovação para acelerar uma agricultura mais inteligente e responsável”, conclui Casagrande.