
Em um primeiro momento, de fato, gera estranheza estabelecer uma conexão lógica entre os três elementos acima. Mas, a ligação entre eles converge para a temática das experiências relacionadas à agricultura espacial, segmento que trata do cultivo de plantas fora da Terra, com o objetivo de gerar novas tecnologias e produtos a serem utilizados no nosso planeta, como explica a pesquisadora da Embrapa Pecuária Sudeste, Alessandra Pereira Fávero.
Em entrevista exclusiva ao Broto, Alessandra, que é a coordenadora da Rede Space Farming Brazil, assinala que os experimentos agrícolas no espaço ganham protagonismo, sobretudo na agenda das mudanças climáticas, porque podem permitir achados relacionados à adaptação das culturas agrícolas às alterações do clima.
Alessandra pontua que a Rede é uma oportunidade de contribuição brasileira no âmbito dos Acordos Artemis, da NASA, que visam à cooperação civil e pacífica na Lua, Marte, cometas e outros corpos celestes.
A pesquisadora detalha que, com o suporte da Agência Espacial Brasileira (AEB) e de mais de 22 outras instituições, a Rede Space Farming Brazil mantém um grupo de 56 cientistas que trabalham no desenvolvimento de sistemas de produção adaptáveis ao espaço, buscando soluções para desafios complexos, garantindo a produção de alimentos em condições de elevada radiação, baixa gravidade e ausência de solo.
Nesta jornada, o Brasil recebe, em outubro, o I Simpósio Internacional em Agricultura Espacial (SIAE), no Parque de Inovação Tecnológica São José dos Campos (SP).
Confira, na sequência, a entrevista completa com a Alessandra.
Broto: O que é agricultura espacial?
Alessandra: É o cultivo de plantas fora da Terra, com o objetivo também de geração de tecnologias e produtos a serem utilizados no nosso planeta em benefício da sociedade.
Broto: O que é o Acordo Artemis e como se deu a participação da Embrapa na iniciativa?
Alessandra: O Acordo Artemis, liderado pela NASA, é um conjunto de diretrizes que visa ao uso pacífico da Lua, Marte e outros corpos celestes. O Brasil assinou esse acordo em 2021 e, atualmente, 56 países são signatários. A Embrapa e a Agência Espacial Brasileira (AEB) assinaram um acordo de cooperação técnica no sentido de apoiar atividades de agricultura espacial, sendo uma das contribuições brasileiras dentro do Artemis.
A Embrapa e a AEB coordenam a Rede Space Farming Brazil, que hoje é composta por 22 instituições nacionais e internacionais e 56 pesquisadores. A Embrapa e seus parceiros atuam como provedores de dados, tecnologias e produtos que serão usados tanto na conquista do espaço quanto no dia a dia da sociedade brasileira. A Rede irá gerar oportunidades que contribuirão com a superação de desafios, como o das mudanças climáticas, novas formas de produção, como fazendas verticais e cultivares com características que atendam aos novos mercados.
Broto: Qual foi a participação da Embrapa e do Brasil na experiência do envio de grão-de-bico e batata-doce na missão da Blue Origin ao espaço? Por que essas espécies foram selecionadas e o que se pretendeu com o envio?
Alessandra: O voo suborbital da Blue Origin, em 14 de abril, levou plantas de batata-doce das cultivares Beauregard e Covington, disponibilizadas pelo USDA, e sementes do grão-de-bico BRS Aleppo, desenvolvidas por cientistas brasileiros nos programas de melhoramento genético da Embrapa. A pesquisa com essas duas espécies em condições espaciais integra as ações da Rede Space Farming Brazil.
A inclusão do material brasileiro no voo foi viabilizada por um convite do professor Rafael Loureiro, da Winston-Salem State University (WSSU), do estado da Carolina do Norte, EUA. A batata-doce e o grão-de-bico foram escolhidos porque reúnem vantagens agronômicas e nutricionais, quando se consideram os desafios tecnológicos e científicos de cultivar plantas no espaço. Elas são espécies adaptáveis e resilientes, de rápido crescimento e fácil manejo, que conseguem se desenvolver bem em condições adversas, mesmo com o mínimo aporte de insumos ao longo do ciclo de produção.
Broto: O que essas experiências de exposição de plantas no espaço podem trazer de benefício para o cultivo na terra? Melhoramento genético? Adaptabilidade às mudanças climáticas?
Alessandra: A pesquisa em agricultura espacial deve acelerar o melhoramento genético e trazer inovações para a agricultura praticada na Terra, especialmente com o avanço das mudanças do clima. Além disso, espera-se alcançar diversos impactos, os chamados spin-offs, capazes de promover saltos no conhecimento agronômico brasileiro e gerar novas tecnologias.
Muitos são os exemplos de soluções espaciais que tiveram aplicações no cotidiano das pessoas. A NASA já publicou mais de duas mil dessas tecnologias que são utilizadas no nosso dia a dia, como telas de celulares, ferramentas sem fio, termômetros com infravermelho, comida desidratada etc. Da mesma forma, podemos avançar muito em tecnologias modernas para auxílio na agricultura brasileira, usando inteligência artificial na irrigação, melhoria e adequação de plantas em cultivo indoor, novas cultivares mais tolerantes à seca, mais eficientes no uso da energia ou mais adaptadas aos desafios impostos pelas mudanças climáticas, mais produtivas e mais nutritivas.
Broto: Qual é a participação, envolvimento do chef de cozinha Jefferson Rueda na iniciativa?
Alessandra: O chef Jefferson Rueda deve avaliar os novos materiais desenvolvidos de grão-de-bico e batata-doce, qualidade de produto, formas mais adequadas de preparo e receitas.
Broto: Quais serão os principais temas que serão abordados no Simpósio de Agricultura Espacial, em outubro, no interior de SP?
Alessandra: Muitos são os temas que serão abordados por especialistas do mundo todo. Pode-se citar aqui alguns deles:
- Os desafios e as oportunidades da exploração espacial;
- Brasil no espaço: contribuições e perspectivas no contexto do Acordo Artemis;
- Superando os desafios de radiações, microgravidade e outros eventos extremos;
- Biologia de plantas no espaço;
- Ampliando as fronteiras do melhoramento genético vegetal no espaço;
- Experiências de cultivo de microrganismos em condições espaciais;
- Experiências de envio de experimentos biológicos em ambientes com microgravidade e radiação ionizante.
O avanço da agricultura espacial mostra que olhar para fora da Terra pode ser, na verdade, uma maneira de cuidar melhor dela.
As experiências com espécies como a batata-doce e o grão-de-bico revelam não apenas o potencial de levar alimentos nutritivos para missões espaciais, mas também de gerar conhecimentos aplicáveis ao campo brasileiro, especialmente no enfrentamento das mudanças climáticas.
No centro dessa iniciativa, o Brasil se posiciona como protagonista, unindo ciência, tecnologia e gastronomia em um movimento inovador que extrapola fronteiras. Para se aprofundar mais no assunto e entender melhor sobre sustentabilidade, leia esse artigo que mostra como a agricultura regenerativa pode salvar o solo brasileiro nos próximos anos.