
Pesquisadores da Embrapa Cerrados (DF), da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade Federal de Goiás (UFG) desenvolveram uma ferramenta inédita para apoiar projetos de restauração ecológica com foco também em benefícios econômicos e socioculturais.
Batizada de Potencial de Restauração e Uso (PRU), a metodologia propõe uma nova abordagem para a seleção de espécies nativas, conciliando critérios ecológicos e múltiplos usos pelas comunidades.
Testada em uma área de mata ciliar no Cerrado, a ferramenta revelou que mais de 70% das 93 espécies avaliadas apresentam PRU médio ou alto, o que amplia as possibilidades de sucesso e atratividade econômica em ações de recuperação ambiental.
O que é o Potencial de Restauração e Uso (PRU)?
O PRU é calculado a partir da soma de dois indicadores:
- Potencial Ecológico (PE): avalia atributos ecológicos das espécies, como capacidade de atrair fauna, projeção de copa, tipo de fruto e categoria sucessional.
- Potencial de Uso (PU): identifica até 16 possíveis usos sustentáveis de cada espécie, como madeireiro, medicinal, ornamental, alimentar, forrageiro, entre outros.
Com essa abordagem, a ferramenta ajuda a escolher espécies que contribuam para a restauração ecológica e que, ao mesmo tempo, ofereçam benefícios diretos às comunidades locais, favorecendo o uso múltiplo da vegetação restaurada.
Cerrado concentra grande déficit de APPs e desafios à restauração
As matas ciliares são áreas de preservação permanente (APPs) protegidas por lei e essenciais para a manutenção de cursos d’água e serviços ecossistêmicos, como regulação climática e controle de erosão.
De acordo com os dados mencionados no estudo, o Brasil possui cerca de 3 milhões de hectares com déficit de restauração de APPs, sendo 23,6% desse total localizados no Cerrado.
A vegetação ciliar do bioma é ambientalmente heterogênea, o que torna a definição de estratégias de restauração ainda mais complexa.
Como funciona o cálculo do PE?
O Potencial Ecológico (PE) é baseado em quatro critérios:
- Atração da fauna (peso mais alto)
- Projeção da copa
- Tipo de fruto (carnoso ou seco)
- Categoria sucessional (pioneira, secundária ou clímax)
A pontuação total varia de 1 a 18, sendo PE baixo entre 1 e 6, PE médio entre 7 e 12 e PE alto entre 13 e 18.
Espécies que atraem animais dispersores de sementes e possuem copas densas e grandes tendem a alcançar os maiores valores de PE, o que indica maior capacidade de contribuição para a restauração natural.
Como o Potencial de Uso (PU) amplia a atratividade das espécies?
Para calcular o Potencial de Uso (PU), os pesquisadores identificaram 16 categorias de uso sustentável para cada espécie, como:
- Alimentar;
- Medicinal;
- Madeireiro;
- Artesanal;
- Ornamental;
- Ecológico (uso para melhoria do ambiente, solo e biodiversidade).
A pontuação total do PU varia de 1 a 16:
- PU baixo: 1 a 4;
- PU médio: 5 a 9;
- PU alto: 10 a 16.
Todas as 93 espécies avaliadas apresentaram ao menos um tipo de uso, sendo o uso ecológico o mais comum.
Espécies com PU alto ou médio podem tornar o processo de restauração mais atrativo para produtores e comunidades rurais, oferecendo retorno social e até econômico.
PRU: espécies com múltiplos benefícios ganham prioridade
O PRU é a soma do PE com o PU, com pontuação entre 2 e 34, classificada em:
- PRU baixo: 2 a 10
- PRU médio: 11 a 21
- PRU alto: 22 a 34
Entre as espécies com maior PRU destacam-se a Zanthoxylum rhoifolium (mamica-de-porca), com um PRU de 30 (PE 17 + PU 13); Tapirira guianensis (tapirira), com PRU de 28 (17 + 11) e a Simarouba versicolor (perdiz), com PRU de 28 (17 + 11).
Essas espécies aliam alto valor ecológico e múltiplos usos, tornando-se candidatas ideais para projetos de restauração com foco na recuperação ambiental e geração de valor.
Espécies com PE baixo podem ser valorizadas pelo PU
Um dos destaques do estudo é que o PRU pode revelar o valor de espécies pouco consideradas, como o ipê-caraíba (Tabebuia aurea), que tem PE baixo (3), mas PU alto (11), totalizando PRU médio (14). Isso amplia o número de espécies aptas para projetos de recuperação, tornando-os mais flexíveis e inclusivos.
A pesquisadora Lidiamar Albuquerque, líder do estudo, reforça que a inclusão do PU pode agregar valor ao processo de restauração e aumentar a adesão de produtores rurais, ao oferecer alternativas de uso e produção sustentável.