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Com tecnologia e capacitação, agro busca frear o êxodo jovem e garantir a sucessão no campo

A permanência dos jovens nas propriedades rurais é um dos maiores desafios do agronegócio brasileiro; mas iniciativas focadas em inovação e educação têm mostrado caminhos possíveis para garantir o futuro da agricultura familiar

Com tecnologia e capacitação, agro busca frear o êxodo jovem e garantir a sucessão no campo

A sucessão nas propriedades rurais brasileiras tem se tornado uma corrida contra o tempo. Com produtores envelhecendo e os filhos buscando oportunidades nas cidades, o campo corre o risco de perder sua força de trabalho mais estratégica: os jovens. 

Para evitar esse esvaziamento, instituições do setor e governos estaduais estão apostando em uma combinação de capacitação, acesso à tecnologia e políticas públicas focadas na permanência das novas gerações no meio rural. Em entrevista exclusiva ao Broto, Gabriel Zanuto Sakita, coordenador técnico da Diretoria de Educação Profissional do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), destacou que, além de tornar a produção agrícola mais eficiente, o uso de tecnologias no campo tem sido essencial para reconectar os jovens com o ambiente rural. 

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 90% das empresas brasileiras têm perfil familiar, incluindo grande parte das propriedades rurais. Essas empresas representam mais da metade do Produto Interno Bruto (PIB) do país e são responsáveis por 75% dos empregos formais. 

No entanto, a longevidade desses negócios está em risco. Um estudo do Banco Mundial mostra que apenas 30% das empresas familiares chegam à terceira geração e só 15% sobrevivem até a quarta.

No campo, o problema é ainda mais delicado. A falta de sucessores preparados e motivados tem comprometido a continuidade das propriedades rurais. Em 2000, 18,8% da população brasileira vivia no campo, mas em 2022 esse número caiu para 12,4%, segundo a Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA).

Esse êxodo é ainda mais acentuado entre os jovens com menos de 29 anos, o que agrava a dificuldade de manter os negócios em funcionamento nas mãos das novas gerações.

Êxodo jovem ameaça continuidade das propriedades rurais

Em estados como Santa Catarina, o cenário é emblemático. Embora ainda haja mais de 180 mil jovens entre 18 e 29 anos vivendo no meio rural, o número representa apenas uma fração de um passado recente: em 1950, 77% da população catarinense estava no campo, hoje são menos de 16%. Para o secretário de Agricultura e Pecuária do estado, Valdir Colatto, no máximo 15% das propriedades rurais catarinenses têm sucessores definidos.

Para reverter essa tendência, governos estaduais e instituições ligadas ao agro têm apostado em ações estruturadas. Em Santa Catarina, a Secretaria da Agricultura e Pecuária (SAR), em parceria com a Epagri, desenvolve iniciativas como a “Ação Jovem Rural e do Mar”, o “Projeto Realiza” e o “Conecta Jovem”. Os programas oferecem desde cursos técnicos e apoio à liderança até financiamento sem juros para investimento em equipamentos, estrutura de internet e projetos produtivos. O objetivo é tornar o campo mais atrativo, moderno e viável para os jovens.

Iniciativas similares também se destacam em outros estados. Em Mato Grosso, o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-MT) criou o programa “Sucessão Familiar”, voltado à preparação de herdeiros e gestores rurais para uma transição planejada. O curso inclui conteúdos sobre gestão financeira, aspectos legais, contabilidade, empreendedorismo e planejamento estratégico, com foco na valorização dos valores familiares e da continuidade do negócio.

Tecnologia e capacitação como resposta estratégica

A transformação digital no campo não é mais tendência: é realidade e necessidade estratégica. Para Gabriel Zanuto Sakita, o uso de tecnologia e o investimento em capacitação são fatores decisivos para atrair e manter os jovens no meio rural.

“As tecnologias aplicadas à produção rural aumentam a eficiência, melhoram a rentabilidade e tornam o campo um ambiente mais conectado e profissional”, destaca Sakita. Segundo o coordenador do Senar, ferramentas como aplicativos de gestão agrícola, sensores com Internet das Coisas (IoT), drones, imagens de satélite, máquinas com agricultura de precisão e até e-commerce rural estão revolucionando a rotina das propriedades, inclusive familiares.

De acordo com o coordenador, essas inovações permitem um monitoramento mais preciso das atividades e geram dados que embasam decisões mais estratégicas. “Elas otimizam o uso da mão de obra, reduzem desperdícios e contribuem diretamente para a sustentabilidade do negócio rural. Esse conjunto é especialmente atrativo para uma geração que busca autonomia, impacto e inovação”, afirma.

Além da adoção tecnológica, o Senar tem apostado fortemente na capacitação digital de jovens do campo. A plataforma Senar Play, por exemplo, oferece mais de 240 cursos gratuitos com certificação em áreas como informática, drones e agricultura de precisão. 

Outros programas de destaque incluem:

  • Rede e-Tec Senar, que desde 2014 oferece formação técnica gratuita e de qualidade;
  • Formações presenciais e EaD, voltadas à educação continuada no meio rural;
  • CNA Jovem, iniciativa de desenvolvimento de lideranças com foco na sucessão familiar e inovação no agro. “Queremos formar jovens que lideram o setor com consciência, preparo técnico e visão empreendedora”, resume.

Para Sakita, investir em tecnologia e formação é garantir o futuro do agro com inovação e protagonismo jovem: “Não se trata apenas de modernizar o campo, mas de transformá-lo em um espaço de oportunidades reais para as novas gerações.”

Casos como o do jovem produtor Bruno Weingartner, de Águas Mornas (SC), mostram que a estratégia pode funcionar. Com apoio dos programas estaduais, Bruno investiu no cultivo de morangos em estufas suspensas e deseja continuar no campo. “Os cursos e o financiamento foram o pontapé que eu precisava. Quero continuar o trabalho da minha família e expandir a produção de morango e tomate cereja”, afirma.

Na prática, garantir a sucessão familiar no campo é tão complexo quanto na cidade. Essa é uma missão que exige planejamento, preparo técnico, envolvimento emocional e, sobretudo, ambiente favorável ao protagonismo jovem. As iniciativas públicas e privadas mostram que, com educação, crédito e tecnologia, é possível criar um novo modelo de agricultura familiar mais conectada, eficiente e sustentável. A sucessão rural precisa deixar de ser um tabu e passar a ser tratada como parte da estratégia de gestão das propriedades.