Ao passo em que o agronegócio brasileiro cresce de forma exponencial, uma preocupação cada vez mais urgente assombra o setor: a degradação do solo. Um estudo da Embrapa, por exemplo, aponta que cerca de 28 milhões de hectares de áreas plantadas no Brasil apresentam algum nível de desgaste.
Logo uma pergunta ecoa entre produtores, pesquisadores e ambientalistas: como garantir a produtividade sem destruir o que temos de mais valioso? A resposta está em uma tendência que vem ganhando cada vez mais força no Brasil: a agricultura regenerativa.
Mais do que uma moda ou um novo rótulo para o agro, a agricultura regenerativa propõe uma mudança profunda (e promissora) na forma como lidamos com a terra. E o melhor: ela não apenas evita danos, como reverte os impactos negativos já causados. Em outras palavras, regeneração do solo é uma estratégia viável para o futuro do agro brasileiro.
Neste artigo, vamos entender o que é a agricultura regenerativa, como ela funciona e por que ela pode ser a salvação do solo brasileiro nos próximos anos. Vamos nessa?
O que é agricultura regenerativa e como ela funciona
A agricultura regenerativa é um conjunto de práticas agrícolas sustentáveis que buscam restaurar e manter a saúde dos ecossistemas agrícolas, com foco principal na recuperação do solo. Ao contrário do modelo convencional, que extrai, empobrece e depende de insumos químicos, a regenerativa trabalha a favor da natureza.
Ela parte de um princípio simples: o solo é um organismo vivo. Por isso, deve ser tratado com o mesmo cuidado que damos a uma lavoura ou a um rebanho. A ideia é promover ciclos naturais de regeneração, como o aumento da matéria orgânica, retenção de água e estímulo à biodiversidade do solo.
Entre os pilares dessa abordagem estão:
- Cobertura permanente do solo;
- Rotação de culturas;
- Integração entre lavoura, pecuária e floresta (ILPF);
- Redução ou eliminação de químicos sintéticos;
- Plantio direto com mínima ou nenhuma aração.
Por que o solo brasileiro está em risco
O Brasil é uma potência agrícola, isso ninguém discute. Mas esse protagonismo tem cobrado um preço alto. Segundo a Embrapa, entre 60 e 100 milhões de hectares do solo brasileiro estão degradados, o que corresponde a cerca de 7% a 12% do território nacional.
As causas são muitas:
- Uso excessivo de defensivos e corretores;
- Monoculturas intensivas, como soja e milho;
- Desmatamento para abertura de pastos ou lavouras;
- Erosão causada por manejo inadequado.
Além disso, o uso contínuo de fertilizantes químicos empobrece o solo a longo prazo, tornando-o dependente de insumos externos e cada vez menos fértil de forma natural. O resultado é um solo mais raso, compactado e com baixa capacidade de retenção de água e nutrientes.
Se nada for feito, o prejuízo não será apenas ambiental, mas econômico e social, afetando diretamente a competitividade do agro nacional.
Principais práticas da agricultura regenerativa
A agricultura regenerativa se adapta às diferentes realidades encontradas no campo brasileiro, da agricultura familiar ao grande produtor. Veja algumas das práticas mais utilizadas:
1. Cobertura vegetal permanente
Evita a exposição do solo à erosão, aumenta a infiltração de água e reduz a temperatura da superfície. Para executá-la, pode-se usar palhada ou plantas de cobertura, como milheto, braquiária ou mucuna.
2. Plantio direto
Dispensa o revolvimento do solo. Isso ajuda a preservar a estrutura e os microrganismos que vivem ali. O resultado é um solo mais estável e com maior capacidade de se regenerar naturalmente.
3. Rotação e consórcio de culturas
Diversificar as culturas evita o esgotamento de nutrientes e melhora a estrutura do solo. Além disso, cultivos diferentes promovem uma microbiota mais rica e equilibrada.
4. Compostagem e bioinsumos
Em vez de depender de fertilizantes industriais, a agricultura regenerativa aposta em fontes naturais de nutrientes, como compostos orgânicos, biofertilizantes e microorganismos eficientes (EMs).
5. Integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF)
É uma das práticas mais promissoras. Ela aumenta a produtividade por hectare e melhora significativamente a recuperação do solo.
Casos reais de sucesso no Brasil
Se teoria não falta, os exemplos práticos também não. Em várias regiões do país, produtores estão colhendo os frutos da agricultura regenerativa.
Fazenda da Toca (SP)
Pioneira na produção orgânica em larga escala no Brasil, a Fazenda da Toca, localizada no interior de São Paulo, dedica cerca de 2.300 hectares à agricultura orgânica regenerativa.
Entre as práticas adotadas estão o plantio direto orgânico, os consórcios de culturas em sistemas agroflorestais e a adubação verde, técnicas que aumentam a biodiversidade do solo, promovem o sequestro de carbono e reduzem o uso de insumos externos.
Grupo Roncador (MT)
Aplicando o sistema de Integração Lavoura–Pecuária (ILP) em cerca de 30.000 hectares, com 10.000 ha já maduros, o Grupo Roncador reduziu custos, aumentou a produção em 41 vezes, melhorou significativamente o bem-estar animal e promoveu expressiva regeneração de solos antes degradados, segundo informações da própria empresa.
Sítio Semente (DF)
Referência nacional em agrofloresta sintrópica, o Sítio Semente, localizado no Distrito Federal, mostra na prática como é possível recuperar áreas degradadas por meio do cultivo consorciado de hortaliças, frutíferas e árvores nativas. Utilizando técnicas como poda seletiva, cobertura permanente do solo e aumento da matéria orgânica, o sítio transformou um terreno antes improdutivo em uma área fértil e biodiversa.
Esses casos mostram que é possível, sim, combinar rentabilidade e regeneração.
Quais são os impactos esperados para os próximos anos
Os impactos da adoção em larga escala da agricultura regenerativa no Brasil podem ser revolucionários. Segundo estudo da Regeneration International, práticas regenerativas podem sequestrar até 5 toneladas de CO₂ por hectare ao ano, contribuindo diretamente para o combate às mudanças climáticas, com potencial para valores ainda maiores em sistemas agrícolas altamente otimizados.
Além disso, espera-se:
- Aumento da produtividade a médio prazo;
- Melhoria na qualidade da água;
- Resiliência climática, com solos mais preparados para extremos hídricos; e
- Geração de renda para o produtor, com novas oportunidades de mercado (carbono, orgânicos, certificações verdes).
Em um momento em que o mundo exige mais responsabilidade do agronegócio, o Brasil tem a chance de liderar a transição para um modelo que produz mais, cuidando do que temos de mais essencial: o solo.
Como implementar a agricultura regenerativa na prática
A transição para um sistema regenerativo não precisa (nem deve) ser radical ou imediata. Veja algumas etapas recomendadas:
- Diagnóstico do solo
Entenda o estado atual da sua terra. Analise a quantidade de matéria orgânica nela presente e o grau de compactação, erosão e biodiversidade do solo. - Capacitação técnica
Procure cursos, treinamentos e consultorias especializadas. A Embrapa e outras instituições oferecem materiais gratuitos. - Comece pequeno
Implemente uma ou duas práticas por vez, em uma área-piloto. A partir daí, vá medindo os resultados e implementando novas técnicas aos poucos. - Integre técnicas ao sistema atual
Você não precisa abandonar a lavoura atual. Comece integrando rotação de culturas, cobertura do solo ou bioinsumos. - Monitore e ajuste
Avalie os resultados regularmente. A regeneração é um processo contínuo, e os ajustes fazem parte do sucesso.
A agricultura regenerativa está deixando de ser um conceito alternativo para se tornar uma necessidade estratégica. Com potencial para frear a degradação do solo no Brasil, ela se apresenta como o caminho mais promissor para garantir a longevidade do setor agropecuário.
Ao unir ciência, tradição e inovação, ela oferece uma nova forma de pensar a produção: não como uma extração, mas como um ciclo de cuidado com a terra. E nesse ciclo, todos ganham: o produtor, o solo e o planeta.
Se o solo é a base do agro, a agricultura regenerativa é a base de um futuro mais fértil, resiliente e sustentável para o Brasil.
Quer entender mais sobre como atrelar os cuidados no meio ambiente ao trabalho no campo? Leia também: Pecuária regenerativa e o sequestro de carbono: mito ou realidade?.