Ao final de julho deste ano, com o encerramento oficial da temporada 2024/25, o Brasil manteve, em mais um feito histórico para o agronegócio nacional, o posto de maior exportador global de algodão em pluma.
A conquista, alcançada pela primeira vez no ano comercial anterior, representa não apenas um avanço em volumes embarcados, mas também a maturidade de um setor que alia tecnologia, sustentabilidade e estratégia comercial para se destacar entre os maiores players globais.
Em entrevista exclusiva ao Broto, Marcio Portocarrero, diretor-executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), comenta que essa liderança coroa um modelo produtivo altamente profissionalizado. “Mais do que volume, essa conquista reflete um modelo de produção sustentável e rastreável, coordenado pela Abrapa em parceria com as associações estaduais. O protagonismo brasileiro amplia nossa presença em mercados exigentes e posiciona o Brasil como referência global”, afirma.
O programa Cotton Brazil, idealizado pela Abrapa em parceria com a ApexBrasil e apoio da Associação Nacional dos Exportadores de Algodão (Anea), tem papel central nesse resultado. Lançado em 2020 para promover a pluma brasileira no mercado internacional, o programa nasceu com a meta de tornar o Brasil líder nas exportações até 2030. A meta, no entanto, foi antecipada em seis anos — um indicativo da eficácia da iniciativa.
De acordo com Marcelo Duarte Monteiro, diretor de Relações Internacionais da Abrapa, o Cotton Brazil mapeou os dez maiores mercados importadores do mundo — entre eles Bangladesh, China, Vietnã, Paquistão e Indonésia —, responsáveis por mais de 90% das compras globais. “Com missões internacionais, comunicação qualificada e um escritório em Singapura, conseguimos promover não só a fibra brasileira, mas também defender o algodão como uma fibra natural de excelência”, explica.
Em 2024/25, o Brasil exportou 2,837 milhões de toneladas de algodão em pluma, superando concorrentes tradicionais como os Estados Unidos e consolidando a liderança global. Tal volume, de acordo com dados divulgados pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex) e analisados pela DATAGRO, representa ainda um aumento de 0,1% ante 2023/24.
Essa praticamente manutenção acontece sem comprometer o abastecimento interno: “Atendemos 99% da demanda das indústrias têxteis brasileiras. O consumo doméstico está em torno de 720 mil toneladas, e a produção nacional permite atender ambos os mercados com segurança”, afirma Portocarrero.
Diferenciais competitivos: rastreabilidade e sustentabilidade
Um dos grandes trunfos do algodão brasileiro está na capacidade de garantir a rastreabilidade e a certificação socioambiental de grande parte da safra. Segundo Portocarrero, mais de 85% da produção nacional passa por auditorias em critérios ASG, e 100% dos fardos são rastreados por meio do Sistema Abrapa de Identificação (SAI), que utiliza QR codes e códigos de barras padronizados pela GS1 Brasil.
Esse sistema permite rastrear a fibra desde a origem, com informações detalhadas sobre a fazenda produtora, certificações, unidade de beneficiamento e qualidades intrínsecas da pluma. “Trata-se de um diferencial competitivo que garante transparência e atende às demandas de um mercado cada vez mais exigente”, afirma Silmara Ferraresi, diretora de Relações Institucionais da Abrapa.
Sou de Algodão: aproximação com o consumidor
No mercado interno, o movimento Sou de Algodão, criado pela Abrapa em 2016, vem construindo uma nova percepção sobre a fibra junto ao consumidor final. A iniciativa atua na valorização da moda consciente e da produção responsável, conectando a cadeia produtiva com marcas, estilistas, universidades e o público geral.
O projeto já conta com quase 1.800 marcas parceiras, mais de 110 milhões de tags distribuídas e parcerias com 14 universidades e 17 instituições. “A moda é uma poderosa ferramenta de comunicação, e o Sou de Algodão nos ajuda a mostrar ao consumidor que ele pode fazer escolhas mais responsáveis. Com um simples QR code na etiqueta da roupa, é possível saber toda a origem da peça”, destaca Silmara.
Além da atuação nas passarelas da São Paulo Fashion Week e no e-commerce — com loja própria no Mercado Livre —, o movimento lançou o programa SouABR, que une rastreabilidade digital com certificação socioambiental. O piloto já envolveu 99 fazendas, 79 produtores, milhões de quilos de fios e centenas de milhares de peças rastreadas. “É um marco que reforça nosso compromisso com a moda ética e transparente”, complementa Silmara.
Produção tecnificada e diversificada
Embora haja uma concentração significativa da produção nos estados de Mato Grosso e no oeste da Bahia, a Abrapa busca incentivar e ampliar a cotonicultura em outras regiões do Brasil, superando a alta complexidade técnica e os elevados investimentos que a cotonicultura exige em maquinário, manejo e controle fitossanitário.
Nessa linha, estados como Goiás, Minas Gerais, Maranhão, Piauí e Ceará têm recebido investimentos em capacitação técnica, transferência de tecnologia e infraestrutura de escoamento. “Temos bons exemplos em Catuti (MG) e Guanambi (BA), onde pequenos produtores se organizaram em cooperativas e obtêm bons resultados”, relata Portocarrero.
Paralelamente, grandes produtores vêm investindo em tecnologias inovadoras, como biofábricas para controle biológico de pragas, drones para aplicação dirigida e uso de ferramentas de georreferenciamento para aumento da eficiência, o que também contribui positivamente para a expansão da cadeia.
Segundo Portocarrero, essas práticas já permitem a substituição de até 24% dos defensivos químicos por insumos biológicos, percentual esse que deverá continuar crescendo progressivamente nos próximos anos.
Selo ABR: agregando valor à lavoura
Um dos pilares do modelo produtivo brasileiro é o programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR), que certifica as boas práticas trabalhistas e ambientais das propriedades produtoras.
Segundo Portocarrero, a certificação melhora a gestão, aumenta a produtividade, reduz riscos legais e fortalece o acesso a mercados mais exigentes. “Além disso, o processo contribui para o engajamento das equipes e a adoção de tecnologias mais sustentáveis”, explica.
Atualmente, cerca de 83% da produção brasileira é certificada pelo ABR e também licenciada pelo programa internacional Better Cotton. Aproximadamente 93% da safra nacional é cultivada com água da chuva — outro diferencial relevante em tempos de escassez hídrica em outras partes do mundo.
Expansão com cautela e foco em novos mercados
Apesar do avanço nas exportações, a Abrapa defende que o crescimento do setor ocorra com responsabilidade e planejamento de mercado. Isso porque a demanda global por algodão está relativamente estável há mais de 12 anos, enquanto as fibras sintéticas seguem crescendo a taxas superiores a 5% ao ano.
“Não podemos incentivar uma expansão descontrolada. O mundo precisa voltar a consumir mais fibras naturais para que haja espaço para mais algodão”, alerta Portocarrero.
Nesse sentido, a entidade tem defendido campanhas globais de conscientização sobre os impactos ambientais das fibras sintéticas, que derivam de combustíveis fósseis e geram microplásticos. “Acreditamos que o algodão, por ser renovável, reciclável e de menor impacto ambiental, tem um papel central na construção de uma moda mais ética e sustentável”, diz.