Na mais recente edição do Global Agribusiness Festival (GAFFFF), o chefe-geral da Embrapa Territorial, Gustavo Spadotti, disse que a principal unidade da instituição responsável pelas pesquisas relacionadas ao trigo — Embrapa Trigo, de Passo Fundo (RS) — projetou que, em dez anos, o Brasil será autossuficiente no cereal, deixando de importar significativos volumes.
Atualmente, de acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a safra brasileira gira em torno de 8 milhões de toneladas, e o consumo doméstico se situa entre 12 e 13 milhões de toneladas.
Com expectativa de redução de área, a temporada de trigo 2025 está começando na Região Sul, onde está concentrada mais de 80% da produção nacional. Mas a verdadeira transformação no cultivo do cereal está em andamento, de fato, no Brasil Central.
Com uma área próxima a 450 mil hectares na safra 2024, o chamado “trigo tropical” vem ganhando espaço no Cerrado nos últimos anos, com um crescimento de área de 119% e de produção de 95% de 2018 até o ano passado, indicam números da Conab. A região apresenta potencial de mais de 1 milhão de hectares para o plantio do trigo irrigado e de 2 milhões a 2,5 milhões de hectares para o de sequeiro.
No Brasil Central, o trigo vem ganhando espaço ao ser utilizado como alternativa na rotação de culturas com grãos e hortaliças para quebra do ciclo de pragas e doenças.
“O cereal é candidato preferido na rotação porque reduz os principais problemas no cultivo, já que consegue quebrar o ciclo de doenças de solo, além de inibir a multiplicação de determinados nematóides”, diz o pesquisador da Embrapa Cerrados, Jorge Chagas, que, na entrevista exclusiva a seguir para o Broto, conta por que o Cerrado é a nova fronteira do trigo no Brasil. Confira:
Broto: O que vem viabilizando o avanço do trigo em regiões mais tropicais? Cultivares adaptadas às condições edafoclimáticas do Brasil Central para cima, tecnologias como irrigação?
Jorge Chagas: Sim, a geração de novas cultivares adaptadas à região faz parte desse avanço. Por meio do melhoramento genético, que começou com a Embrapa no final da década de 1970 — e que vem trabalhando ao longo do tempo as questões da pesquisa para a cultura aqui na região —, tanto no cultivo de sequeiro após a soja quanto no inverno sob irrigação por pivô central.
Assim, a Embrapa vem ofertando genética e trabalhando práticas de manejo e transferindo tecnologia ao produtor. Com isso, a cultura se expande na região, o que vem permitindo a entrada de empresas privadas de melhoramento. Junto com a Embrapa, elas estão conseguindo ofertar mais cultivares e tecnologias ao produtor. Essa evolução vem resultando em maior segurança de cultivo por parte dos produtores, que vêm alcançando ótimos resultados, principalmente nos últimos dez anos, com expressivo aumento de área.
Essa expansão do cultivo tem sido registrada principalmente no cultivo sequeiro (safrinha) após a soja. No cultivo apoiado por irrigação, a área se expandiu pouco. Contudo, é uma ótima opção de rotação de culturas para o sistema irrigado, quebrando o ciclo de pragas e doenças de outras culturas.
Broto: O cereal tem sido usado como opção de rotação de outras culturas no Cerrado, com o objetivo de quebrar o ciclo de pragas e doenças?
Jorge Chagas: De fato, o cultivo do trigo em sucessão ou rotação tem sido uma ótima opção de quebra de pragas e doenças de outras culturas na região, como fungos do solo, nematóides, bem como vem ajudando no controle de plantas daninhas, já que promove a rotação de princípios ativos de herbicidas, permitindo um melhor controle de invasoras e suas resistências a outros defensivos.
Broto: O trigo tropical apresenta características diferentes do cereal cultivado no Sul? Umidade, qualidade?
Jorge Chagas: É um trigo que apresenta como principal característica uma ótima qualidade se comparado aos que são produzidos nos Estados Unidos e no Canadá, que se consolidaram no mundo como grãos de elevada categoria. Isso se deve principalmente ao melhoramento genético, mas também à sua interação com o ambiente, o qual é bastante favorável aqui na região.
O trigo do Brasil Central é colhido em períodos secos e raramente toma chuva após seu ponto de maturação fisiológica. No sequeiro, o trigo do Cerrado é colhido em meados de junho até julho e no irrigado a colheita acontece entre o final de agosto e o fim de setembro. Essa colheita em períodos secos mantém a qualidade tecnológica das cultivares desenvolvidas para o Cerrado e, consequentemente, a qualidade.
Broto: E qual o status da cultura na Região Sul?
Jorge Chagas: No Sul, a maioria das cultivares também apresenta genética apropriada para a qualidade dos grãos. Porém, o clima tem se mostrado desafiador para este ponto. Em anos com excesso de chuva no período da colheita, o trigo cultivado no Rio Grande do Sul e Paraná tem perdido qualidade. As precipitações na época de retirada dos grãos do campo podem afetar vários parâmetros de qualidade, como, por exemplo, o peso hectolítrico e a força de glúten.