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O beabá da correta sucessão familiar no agronegócio 

Começando na esfera familiar e, em seguida, no âmbito da operação em si, governança é pilar para o planejamento sucessório

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A sucessão familiar no agronegócio deve ser encarada como um processo de continuidade da operação, não de ruptura. A ideia de uma passagem obrigatória de bastão é um dos maiores entraves, pois gera resistência em quem lidera e ansiedade em quem espera
Foto: divulgação

A sucessão familiar no agronegócio deve ser encarada como um processo de continuidade da operação, não de ruptura. A ideia de uma passagem obrigatória de bastão é um dos maiores entraves, pois gera resistência em quem lidera e ansiedade em quem espera. Falar de continuidade significa reconhecer que as gerações podem coexistir em torno do negócio

O recado é dos advogados Diego Billi Falcão e Amanda Salis Guazzelli, sócios do escritório Huck Otranto Camargo Advogados e fundadores da associação Governança Agro, especializada no estudo, desenvolvimento, debate e difusão de regras e estruturas personalizadas para a Governança Corporativa no Agronegócio.

Planejar com antecedência; separar família, patrimônio e empresa; e considerar especificidades da atividade agrícola são recomendações fundamentais de um eficiente planejamento sucessório. Na entrevista a seguir, exclusiva para o Broto, Diego Falcão e Amanda Guazzelli falam ainda do dispositivo da “holding familiar” como modelo jurídico interessante a ser seguido.

Broto: Por que a sucessão familiar tornou-se um desafio e tanto na agropecuária brasileira?

Diego e Amanda: A sucessão no agro é desafiadora porque, historicamente, os negócios foram estruturados na pessoa física do produtor, sem separação entre família, patrimônio e empresa. Isso concentra o poder em uma figura central, geralmente patriarcal, tornando a discussão sucessória um tema delicado, visto como ameaça à identidade e protagonismo de quem construiu o negócio. Com a longevidade produtiva, hoje convivem três ou até quatro gerações, o que multiplica visões de mundo e amplia o risco de choques culturais, relacionais e estratégicos.

Além disso, muitos assessores sem preparo específico para a realidade do campo transportam modelos urbanos de governança e sucessão sem compreender a história, a cultura e a dinâmica da família empresária rural. Esse transplante automatizado gera resistência e acumula exemplos mal sucedidos, o que reforça a percepção negativa da sucessão. O resultado é a postergação do tema até que seja tarde demais, quando já não há espaço para diálogos construtivos.

Broto: Quais são os riscos para a continuidade da operação e até para as finanças da família caso ignorem um planejamento sucessório?

Diego e Amanda: Ignorar o planejamento sucessório expõe a família e a operação a rupturas bruscas. Sem regras claras, a gestão pode paralisar em momentos críticos, o patrimônio pode ser fragmentado de forma ineficiente e as disputas entre herdeiros podem comprometer não apenas a operação, mas também relações pessoais. No agro, onde capital intensivo e ciclos longos exigem decisões rápidas, a falta de continuidade institucional pode significar safras perdidas e ativos subutilizados.

É preciso considerar que o setor já opera sob constante pressão: eventos climáticos extremos, oscilações cambiais, crises geopolíticas e mudanças regulatórias são riscos permanentes. A instabilidade causada pela ausência de um plano sucessório em um ambiente naturalmente instável potencializa os efeitos negativos e fragiliza ainda mais a empresa familiar, que se vê sem mecanismos internos para absorver choques externos.

Broto: Nesta agenda, o que seria uma boa governança que dê alicerce a um eficiente planejamento sucessório?

Diego e Amanda: Quando se fala em sucessão, a governança mais importante não é, inicialmente, a corporativa, mas a familiar. O ponto de partida deve ser a construção de protocolos de família e a criação de um conselho de família, espaço em que se discutem expectativas, valores, papéis e critérios de participação. Essa governança é o alicerce que legitima qualquer plano de continuidade. Sem ela, mesmo as melhores estruturas jurídicas e societárias ficam frágeis, porque não lidam com a dimensão relacional e emocional que está na base do negócio. 

A partir daí, a governança corporativa pode se estruturar. O conselho consultivo tende a ser o primeiro passo – mais natural, muitas vezes, do que o conselho de administração – pois cria espaço para que membros da família aprendam a lidar com especialistas externos, com pautas formais e com processos de debate de ideias mais racionais. O avanço gradual, adaptado à realidade do campo e ao nível de maturidade de cada grupo familiar, é o que transforma a governança em prática viva, não em burocracia.

Broto: Qual seria o passo a passo, o beabá, para o correto plano de sucessão familiar?

Diego e Amanda: O primeiro passo é mudar o enfoque: encarar o processo como plano de continuidade, não de sucessão. A ideia de uma passagem obrigatória de bastão é um dos maiores entraves, pois gera resistência em quem lidera e ansiedade em quem espera. Falar de continuidade significa reconhecer que as gerações podem coexistir, que papéis podem ser redimensionados e que a liderança pode se manter relevante em novas funções, sem o trauma da substituição

A partir dessa mudança de perspectiva, o passo seguinte é o diagnóstico: analisar a realidade da família, do patrimônio e da empresa. Depois, alinhar objetivos: o que se deseja preservar, transformar ou expandir. Na sequência, entram os instrumentos jurídicos e societários adequados, como protocolos familiares, testamentos, acordos de sócios ou reorganizações patrimoniais. Tudo isso deve ser acompanhado pela formação das novas gerações e pela institucionalização de instâncias de governança que consolidem o processo.

Broto: Holding familiar seria uma alternativa? Como funciona esse dispositivo? 

Diego e Amanda: A holding familiar pode ser uma alternativa útil, pois concentra patrimônio em uma pessoa jurídica, organiza a sucessão de quotas e pode facilitar a gestão. Com ela, a transferência patrimonial se torna mais previsível e as regras de decisão ficam mais claras. Em alguns casos, há ganhos tributários, mas esse não deve ser o único ou principal objetivo.

O erro mais comum é ver a holding como panaceia. Sem diagnóstico prévio e alinhamento familiar, a estrutura pode engessar a gestão, aumentar custos e até gerar riscos fiscais. A holding é uma ferramenta importante, mas só cumpre seu papel quando integrada a um planejamento amplo, que considere governança familiar, estratégia patrimonial e especificidades do negócio.

Broto: Quais gastos têm que ser previstos?

Diego e Amanda: Os custos variam conforme o tamanho do patrimônio e a complexidade das estruturas escolhidas. Entre eles estão honorários advocatícios e contábeis, custos cartorários e judiciais, tributos incidentes em reorganizações patrimoniais e emolumentos para registros. Também devem ser previstos investimentos em capacitação dos herdeiros e na manutenção de estruturas de governança, como reuniões periódicas e suporte a conselhos. A depender da estrutura de governança adotada, o custo da estrutura empresarial também será aumentado, principalmente com remuneração de executivos e consultores. Mas isso deve ser encarado não como despesa, mas como investimento.

A previsão correta desses gastos é essencial, porque evita que o processo seja interrompido por falta de recursos ou por surpresas fiscais. Planejamento sucessório é investimento em continuidade e sua viabilidade depende de orçamentos bem delineados.

Broto: Para o agricultor familiar, qual seria o caminho mais adequado?

Diego e Amanda: O início se dá com o diálogo. A escuta e o respeito aos envolvidos são a peça fundamental, porque sem isso qualquer tentativa de estruturar sucessão ou continuidade gera mais frustração do que avanço. Essa conversa precisa ser guiada por quem entenda de todas as dimensões do processo: governança, dinâmicas familiares, características do agro e desafios geracionais.

Depois desse primeiro passo, medidas simples já fazem diferença, como a separação mínima entre patrimônio produtivo e pessoal, testamentos bem elaborados, doações com reserva de usufruto e registro formal das decisões familiares. O agricultor que avança nessa direção cria condições para que a transição não seja marcada por conflitos ou pela desorganização de uma história construída com esforço.

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