
Em um país que abriga o maior estoque de biodiversidade do planeta e cuja economia é fortemente sustentada pelo agronegócio, uma declaração recente chamou a atenção: líderes do setor agropecuário afirmam que o Brasil pode deixar de ser emissor de carbono e se tornar capturador líquido de CO₂. O timing não poderia ser mais estratégico, estamos a um mês da COP30, que será realizada em Belém do Pará, e que promete colocar a agricultura no centro das negociações climáticas globais.
Mas o caminho de “vilão a herói climático” é complexo. Envolve tecnologia de ponta, políticas públicas robustas e uma governança de carbono que ainda está em construção. Segundo dados do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), o setor agropecuário responde por cerca de 28% das emissões brasileiras de GEE. Desmatamento, fermentação entérica do gado e manejo de solos degradados são os principais vilões. Por outro lado, o setor também concentra o maior potencial de mitigação — seja via sequestro de carbono no solo, integração lavoura-pecuária-floresta (iLPF), agricultura de baixo carbono, sistemas regenerativos e bioinsumos. O Plano ABC+, política nacional que incentiva práticas sustentáveis no campo, prevê reduzir 1,1 bilhão de toneladas de CO₂ equivalente até 2030.
Na COP30, a agricultura será tema de um dos painéis mais aguardados: a transformação dos sistemas alimentares para compatibilizar produção de alimentos, segurança alimentar e meta de 1,5ºC. O Brasil quer chegar à conferência como protagonista, mostrando que seu agronegócio pode ser parte da solução climática global. Entretanto, virar capturador exige mais do que discurso: é preciso medir. Grandes produtores já adotam tecnologias de sensoriamento remoto, drones, satélites e plataformas digitais que monitoram sequestro de carbono no solo em tempo real.
Nesse contexto, há startups de climate tech brasileiras que já desenvolveram softwares que automatizam o balanço de carbono para indústrias, agroindústrias e propriedades rurais, combinando tecnologia avançada e rigor regulatório. São utilizados dados georreferenciados, sensores orbitais e fatores de emissão e remoção validados, o que garante medições precisas e confiáveis. Além disso, as soluções mantêm conformidade contínua com os regulamentos mais recentes sobre carbono, desmatamento e mudanças climáticas, assegurando que empresas e produtores disponham de relatórios alinhados às exigências legais e às melhores práticas de sustentabilidade. Essas informações são validadas por metodologias de certificação como a da Verra (VM0042), que já permitiu a emissão dos primeiros créditos de carbono por agricultura regenerativa no Brasil.
Mas se a tecnologia está avançando, a governança ainda é um ponto sensível. Quem garante que o carbono “capturado” permanece no solo por décadas? Como evitar o chamado “overclaim”, quando se declara mais captura do que de fato ocorreu? Organismos de certificação, auditorias independentes e transparência dos dados são indispensáveis para minimizar o risco de greenwashing, que compromete a credibilidade internacional do Brasil. O próprio governo federal já alertou, em carta preparatória para a COP30, que é preciso evitar a dependência excessiva de créditos de carbono de baixa integridade como forma de atingir as metas climáticas.
É possível viabilizar o acesso dos pequenos produtores rurais ao mercado de crédito de carbono por meio de projetos guarda-chuva ou agrupados, que unem diversas propriedades em uma mesma estrutura. Nesses modelos, práticas de agricultura regenerativa, como o uso de bioinsumos em substituição aos fertilizantes sintéticos para incremento de matéria orgânica no solo, são aplicadas de forma coletiva, garantindo escala, rastreabilidade e rentabilidade. Esse tipo de projeto possibilita que pequenos produtores tenham acesso a créditos de carbono auditáveis e valorizados no mercado.
A COP30 será um palco de pressão, mas também uma oportunidade histórica. O Brasil poderá apresentar uma narrativa positiva de um setor agro que não apenas alimenta o mundo, mas também captura carbono e ajuda a estabilizar o clima. Transformar o setor em um capturador líquido de carbono pode reposicionar o Brasil no debate climático global. Porém, será preciso acelerar a implementação de tecnologias, fortalecer a governança, atrair financiamento e dar protagonismo ao pequeno produtor. Além disso, exigirá transparência, métricas confiáveis e vontade política.
O mundo inteiro olhará para a COP30. É a hora do agro brasileiro se consolidar como líder na transição para uma economia de baixo carbono e desfazer de vez o discurso equivocado que vilaniza a agricultura e a pecuária, atividades vitais para a manutenção da vida na Terra.
Artigo escrito em parceria com Clarissa Menezes de Souza, CEO da VANKKA CARBON, engenharia ambiental e técnica agrícola, que atua na área de sustentabilidade para o setor agropecuário desde 2007.
Publicado originalmente no Globo Rural