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Brasil: o país das agtechs

Estudo apresenta panorama das agtechs no Brasil e como a ascensão desse mercado revela uma nova fase da agropecuária nacional, marcada pela incorporação de tecnologias sofisticadas

A imagem contém inovação tecnológica no campo
Wenderson Araujo/Trilux

Apresentar o agronegócio brasileiro a partir de suas safras recordes e como o principal pilar da economia nacional é como chover no molhado. Quando falamos sobre o agro no Brasil, as primeiras coisas que vêm à cabeça da maioria das pessoas são os robustos números — e não que eles estejam errados —, mas, nos últimos anos, uma transformação silenciosa e tecnológica vem ganhando força nos campos do país e merece destaque.

As chamadas agtechs — startups voltadas para soluções tecnológicas no setor agropecuário — estão revolucionando a maneira como o Brasil planta, colhe e comercializa seus produtos. Esse movimento não só impulsiona a produtividade e a sustentabilidade no campo, como também posiciona o Brasil como um dos principais polos globais de inovação tecnológica agrícola.

Estudo de prova 

Um estudo inédito da Liga Ventures, consultoria que promove inovação, mostra que, em 2024, foram realizados 39 deals de venture capital em agtechs no Brasil, que representaram cerca de R$ 1 bilhão em captações. Ou seja, pela primeira vez em um ano, as transações de investimento em startups do agro alcançaram uma cifra bilionária.  

“A gente tem um banco de dados bastante grande, que vem sendo construído ao longo dos anos e que é disponibilizado numa plataforma nossa chamada Startup Scanner”, explica Daniel Grossi, cofundador da Liga, em entrevista exclusiva ao Broto, sobre a elaboração do estudo. 

“Esse banco serve para que grandes empresas, pesquisadores e empreendedores possam entender as movimentações do mercado e encontrar oportunidades de negócios sinérgicos à sua atuação”, completa.

A cifra de R$ 1 bilhão não surpreende Grossi, uma vez que essa tendência de crescimento das agtechs já vem sendo observada nos últimos anos. “O que mais surpreende a gente é o comportamento dos investimentos nas agtechs ao longo dos últimos anos, o qual é bem diferente de outras startups”. 

De maneira mais macro, explica o cofundador da  Liga Ventures, em 2021, os juros baixos devido à pandemia da Covid-19 provocou um boom global de investimentos em startups, porém, em 2022, a guerra na Ucrânia e os juros altos fizeram os investimentos em startups despencarem, movimento esse que não foi acompanhado pelas agtechs, que não param de crescer desde então. 

O balanço de 2024 mapeou 831 agtechs espalhadas pelo Brasil, sendo 29% delas emergentes, 30% estáveis, 27% nascentes e 14% disruptoras. O estudo identificou 22 diferentes categorias de atuação. São elas: 

  • Biotecnologia (10%)
  • Backoffice para agronegócios (8%)
  • Gestão da pecuária (8%); 
  • Veículos Aéres Não Tripulados (Vant) e geoprocessamento (7%)
  • Nutrição de plantas (7%)
  • Gestão e análise de plantio (7%)
  • Máquinas e equipamentos para produção (6%)
  • Comercialização de insumos agropecuários (6%)
  • Proteínas e bebidas alternativas (6%)
  • Agricultura de baixo carbono (5%)
  • Serviços financeiros (5%)
  • Agricultura vertical e indoor (3%)
  • Controle biológico (3%)
  • Comercialização de produtos agropecuários (3%)
  • Informações e conteúdos educativos (3%)
  • Processos logísticos (3%)
  • Rastreabilidade e certificação (3%)
  • Transformação de resíduos (3%)
  • Gestão da irrigação (2%)
  • Farm-to-table — da fazenda para a mesa — (2%)
  • Seguro e risco agrícola (2%) 
  • Conectividade no campo (1%)

De acordo com Grossi, em números absolutos de startups, as agtechs só ficam atrás das Fintechs, que contavam com 864 ativas no ano passado. “As duas ficam bem próximas e bem distantes do terceiro — as Healthtechs, com 593”, detalha. No entanto, quando tratamos de investimentos, esse quadro muda: as agtechs são apenas as quintas colocadas entre as startups que mais recebem investimento. 

O uso da IA

O estudo da Liga Ventures também mostrou que 130 agtechs presentes no mercado (15% do total) aplicam inteligência artificial em suas soluções com o intuito de realizar agricultura de precisão, automação de irrigação, monitoramento climático, automação de maquinário, predição de doenças e análise de dados agrícolas.

“As agtechs sempre foram profundamente conectadas a dados – e essa característica tem sido essencial para posicioná-las entre os segmentos que mais avançaram na adoção de inteligência artificial, ficando atrás apenas das healthtechs”, afirma Daniel. 

Entre outras tecnologias oferecidas pelas agtechs pesquisadas estão: 

  • Data Analytics — análise de dados —  (38%)
  • Banco de Dados (21%)
  • Big Data — grandes volume de dados — (18%)
  • Inteligência Artificial (15%)
  • Geolocalização (12%)

Em relação ao público-alvo, o estudo mostra que 79% das agtechs têm como foco o mercado B2B. Quanto à localização, a pesquisa apresenta boa distribuição das empresas pelo Brasil. No primeiro lugar do ranking está São Paulo (44%), seguido de Paraná (11%), Minas Gerais (10%), Rio Grande do Sul (10%), Santa Catarina (8%), Rio de Janeiro (4%), Goiás (3%), Bahia (2%), Mato Grosso do Sul (2%), Espírito Santo (1%) e Ceará (1%).

A ascensão das agtechs revela uma nova fase da agropecuária nacional, marcada pela incorporação de tecnologias sofisticadas, como inteligência artificial, big data e geolocalização, que não apenas modernizam os processos no campo, mas também promovem ganhos em sustentabilidade, eficiência e previsibilidade. 

Esse movimento indica que o agro brasileiro está em sintonia com as principais tendências globais de inovação, superando a imagem de um setor meramente produtivista.

Portanto, é fundamental que o discurso sobre o agronegócio no Brasil acompanhe essa transformação silenciosa, mas poderosa. Valorizar e incentivar o ecossistema de inovação rural é estratégico não só para manter a competitividade internacional do país, como também para garantir um desenvolvimento mais resiliente, inteligente e conectado às novas demandas ambientais, sociais e econômicas.